domingo, 22 de abril de 2018

Os três mosqueteiros – Alexandre Dumas


“As mulheres foram criadas para a nossa ruína, e é delas que provêm todas as nossas misérias”.
Nos acostumamos a relacionar clássicos da literatura a livros enfadonhos com uma linguagem empolada que mais afasta do que forma novos leitores. Pois é, esqueça isso ao ler Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, que numa prosa fluente usa do sarcasmo e do humor refinado para misturar romances improváveis, intrigas palacianas e batalhas, muitas batalhas. Publicado inicialmente em formato de folhetim entre março e julho de 1844, saiu em formato de livro ainda no mesmo ano. A obra já surpreende no título, pois os três mosqueteiros são, na realidade, quatro. E aquele que não é mosqueteiro de fato, mas apenas “honorário”, D’Artagnam, é o grande protagonista da história.
“Há na riqueza uma profusão de detalhes e caprichos aristocráticos que casam bem com a beleza”.
Em 1625, o gascão D’Artagnam chegou a Paris com um propósito: ser mosqueteiro do rei, uma espécie de tropa de elite real cuja missão principal era dá proteção à pessoa do rei Luís XIII. Com uma carta de recomendação endereçada ao conde de Tréville, capitão dos Mosqueteiros, o jovem se mete em trapalhadas que o levam a desafiar três mosqueteiros (Athos, Porthos e Aramis) ao mesmo tempo e no mesmo local (uma enrascada de proporções suicidas). Ao mesmo tempo em que as suas trapalhadas lhe metem em encrencas, também o salva. Foi o que aconteceu! Por trapalhadas, dessa vez do destino, os quatro se tornam inseparáveis, e D’Artagnam um mosqueteiro, digamos, honorário. 
“De todas as paixões, o amor é a mais egoísta”.
O professor da literatura da Universidade de Córsega, Pascal Marchetti-Leca afirma que Dumas foi o fundador do romance histórico com um método trivial: recriar fatos históricos com maestria. À quem o acusava de “violentar” a história para atender a seus caprichos de ficcionista, ele respondia: “Sim, reconheço que a violento, mas faço lindos filhos com ela”. E é verdade. Mas, afinal, os três mosqueteiros existiram? Segundo o historiador francês Jean-Christian Petitfils, sim, eles existiram, mas nunca atuaram juntos. E isso faz diferença?

domingo, 15 de abril de 2018

Enclausurado – Ian McEwan


“Considero-me um inocente, descomprometido com lealdades e obrigações, um espírito livre, apesar do pouco espaço de que disponho”.
Não é a toa que Ian McEwan é considerado o melhor escritor britânico em atividade. A ideia de escrever Enclausurado, seu mais recente romance, publicado em 2016, surgiu quando conversava com sua nora grávida. Chamado por vezes de “Ian Macabro” por causa da natureza das suas primeiras obras, publicadas em meados dos anos 70, McEwan usou do humor, da inteligência e de uma criatividade espantosa para transformar um feto no narrador da história desse livro. E não é um narrador qualquer, mas um narrador que tem opiniões refinadas sobre vinhos e guerras e que se defronta com questões éticas e existenciais antes mesmo de nascer.
“Nem todo mundo sabe o que é ter o pênis do rival do seu pai a centímetros do seu nariz”.
O humor refinado de Ewan se faz presente já nas primeiras linhas do livro: “Então aqui estou, de cabeça para baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando dentro de quem estou, o que me aguarda”. Obviamente que o narrador, um feto que ainda não nasceu, não tem nome, mas conta a história de Trudy Caincross, sua mãe, que ao lado do amante e cunhado Claude Caincross, trama a morte do marido, John Caincross, que vem a ser o pai do feto-narrador. O objetivo de Trudy é ficar com a mansão que John recebeu como herança dos pais.
“Quando o amor morre e um casamento se desfaz, a primeira vítima é a lembrança sincera, a recordação decente e imparcial do passado”.
Do útero materno, o narrador pensa numa forma de evitar o assassinato do próprio pai. Mas como fazer isso? Se não conseguir evitar o crime, deve se vingar dos assassinos no futuro? Mesmo sendo a sua mãe a assassina? São dilemas shakespearianos como esses que povoam a mente ainda em formação do pequeno feto. Entre um dilema e outro, o narrador tece opiniões sobre os vinhos tomados pela mãe durante os fogosos jogos sexuais com o amante e cúmplice. Num tom notadamente irônico, McEwan tenta, e surpreendentemente consegue, passar ao leitor a experiência de ser um feto prestes a nascer envolvido numa trama de assassinato. 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Pulp – Charles Bukowski


“O inferno era o que a gente fazia dele”.
Pulp é o ultimo e mais atípico dos romances de Bukowski. Não é autobiográfico e o protagonista não é o alter-ego do autor, Henry Chinasky.  Concluído alguns meses antes da morte do autor, em 1994, o romance é uma mistura de história noir de detetive, subliteratura e filmes B, porém é impossível não observar as marcas registradas do “escritor maldito”, como os palavrões, o humor ácido e as reflexões pessimistas sobre a vida.
“A insanidade é relativa. Quem estabelece a norma?”
No sexto e último romance de Bukowski somos apresentados a Nick Belane, um detetive beberrão, encrenqueiro e de maus modos, autointitulado o “melhor detetive de Los Angeles”. Com uma tendência para resolver casos no mínimo inusitados, Belane é contratado por uma certa Dona Morte para encontrar um homem chamado Celine, que vem a ser o escritor francês maldito, falecido em 1961, que influenciou Bukowski.
“A vida dos escritores era mais interessante do que os livros deles. Hoje, nem a vida nem a literatura são interessantes”.
Enquanto tenta achar o falecido escritor, Beline é contratado por um marido desconfiado para descobrir se a sua esposa é adúltera. Sendo o “melhor detetive de Los Angeles”, Beline só consegue flagrá-la uma vez na cama com um homem: o próprio marido. Outra missão inusitada de Beline é livrar um vendedor de caixões de um extraterrestre que o domina. O problema é que o extraterrestre é uma exuberante mulher que também domina Belane.
“Não era o meu dia. Nem minha semana. Nem meu mês. Nem meu ano. Nem minha vida. Porra”.
Mas a missão mais difícil de Belane é encontrar o Pardal Vermelho. Mas o que vem a ser o Pardal vermelho? Entre as bebedeiras e as trapalhadas de Belane você descobrirá. Mas antes verá a forma desdenhosa como Bukowski via a vida humana. A presença de um personagem que simbolizava a morte pode ser um indício de que o “velho Buck” sabia que estava em seus últimos suspiros.     

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Hollywood – Charles Bukowski


“Dinheiro é como sexo. Parece muito mais importante quando a gente não tem...”
Sem metáforas, sem alegorias. Assim são os diálogos de Bukowski. E é nessa simplicidade que reside a genialidade do velho Buk. Em Hollywood, quinto romance do autor, publicado em 1989, não é diferente. Nele, Henry Chinaski, um escritor de contos e poesias, recebe um convite para escrever um argumento para um filme de longa-metragem. Apesar de ter aversão ao cinema e à pompa Hollywoodiana, Chinaski topa o trabalho por causa dos vinte mil dólares prometidos e pagos. E não esconde isso de ninguém.
“Contar histórias repetidas vezes parece tornar elas mais reais do que devem ter sido.”
A reação dos fãs não é positiva. Muitos o acusam de ter se vendido. O que ele não nega. Bukowski tenta levar a discussão para o fato de seu alterego conseguir manter ou não sua autenticidade mesmo trabalhando por dinheiro. A linguagem e o estilo do próprio livro mostram que não. O velho Bukowski continuou o mesmo, com sua linguagem crua e desconcertante, o seu (mau) humor ácido e sua sinceridade que beira a deselegância.
“Meus inimigos são minha fonte de renda. Me odeiam tanto que se torna um caso de amor subliminar”.
É publico que Bukowski tinha aversão ao cinema e a Hollywood e o romance foi escrito a partir da experiência vivida por ele em meados dos anos 80, quando foi convidado a escrever para o cinema. O velho Buk aceitou por dinheiro. E não escondeu isso de ninguém. Não é preciso dizer que Hollywood, a exemplo de toda a sua obra, é extremamente autobiográfico. Independente do tema abordado, sempre vale a pena ler Charles Bukowski.