segunda-feira, 26 de março de 2018

Misto-quente – Charles Bukowski


“Jamais haveria um jeito de eu viver confortavelmente entre as pessoas. Talvez eu me tornasse um monge. Fingiria acreditar em Deus e viveria num cubículo, tocando órgão e eternamente embriagado de vinho”. 
Bukowski é aquele sujeito que consegue transformar o bizarro, o degradante, o marginal em arte. E ele faz isso em Misto-quente, seu quarto romance, lançado originalmente em 1982 e, até agora, seu melhor romance. Nele, Bukowski é o “escritor maldito” que conhecemos, que com sua escrita simples e direta é capaz de dizer tudo o que quer sem meias palavras. Considerado o romance de formação do autor, muitos dizem que quem não leu Misto-quente não leu Bukowski.
“Com a bebida, a vida era maravilhosa, um homem era perfeito, nada mais poderia feri-lo”.
Henry Chinaski é o alterego do autor (o romance é praticamente uma autobiografia, com Bukowski na sua fase de juventude) que vive sua infância num ambiente viciado: o pai alcoólatra e violento, batia cotidianamente no filho; a mãe, apesar de carinhosa com o filho, é omissa diante da violência do marido por temê-lo.  É durante suas reflexões sobre esse período que Chinaski consegue manifestar o mais fidedignamente seus sentimentos com relação à vida, a sua infelicidade embaixo da casca de durão, como essa quando frequentava o jardim de infância:   
“Foi no jardim de infância que conheci as primeiras crianças da minha idade. Elas pareciam muitas estranhas, sorriam e conversavam e pareciam felizes. Não gostei delas.”
A acidez das palavras e das ideias de Bukowski, expressa através de Chinaski, transparece de forma límpida quando ele toca em temas sensíveis, como no trecho abaixo;
“Eu havia rompido com a religião alguns anos atrás. Se houvesse alguma verdade por trás dela, era uma verdade que idiotizava as pessoas ou atraía as mais idiotas. E se por acaso a religião não contivesse em si verdade nenhuma, os tolos que nela acreditavam seriam então duplamente idiotas.”
Chinaski (ou Bukowski) era um pessimista com relação à humanidade (alias, com relação a tudo), tanto que quase não se relacionava com colegas de escola. Seu único amigo era um marginalizado como ele:
“Joe não ia vir. Não valia a pena confiar em nenhum outro ser humano. O que quer que fosse preciso para estabelecer essa confiança, não estava presente na humanidade.”
Considero Bukowski melhor romancista do que contista, mas em Misto-quente ele supera até mesmo o romancista Bukowski de outros livros.

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