domingo, 31 de julho de 2016

Numa terra estranha - James Baldwin


”Por que lembrar-se de Leona era também – de certo modo – recordar os olhos da sua mãe, a fúria de seu pai, a beleza de sua irmã”.
Romance publicado em 1962, em Numa terra estranha, James Baldwin une dois temas que lhe são muito caros, os direitos dos negros e da minoria gay. A história divide-se em três partes e se passa no Greenwich Village nos anos 50, num cenário de jazz, drogas, orgias e homossexualidade. Era nesse ambiente que vivia Rufus Scott, um jovem baterista negro que tinha problema de auto aceitação, problema que se agrava quando ele resolve morar com Leona, branca, alcoólatra, três filhos e que tinha fugido do marido por causa da sua violência.
"O inconveniente de uma vida secreta é que muitas vezes, ela é um segredo para quem a vive, mas não o é em absoluto para as pessoas a quem encontra”.
A sensação de inferioridade vivida por Rufus pelo fato de Leona ser Branca, leva-o a maltratá-la. Com a ajuda de Vivaldo, escritor não publicado e amigo de Rufus, Leona foge, o que leva o jovem baterista ao suicídio. A morte de Rufus irá chocar seus amigos Vivaldo, Richard, escritor, e sua esposa Cass, mas provocará a aproximação de Vivaldo com a irmã do falecido, Ida, que iniciarão uma relação infrutífera por falta de compreensão mútua. A mulher negra numa relação com um homem branco, a repetição da relação de Rufus, só que invertida. Essa relação será o centro da trama na segunda parte do livro.
“O objetivo do sonhador, afinal de contas, é seguir sonhando sem ser molestado pelo mundo. Seus sonhos são a sua proteção contra este. Mas os objetivos do mundo são opostos ao do sonhador, e o mundo tem dentes afiados".  
Outro que entra na Trama é Eric Jones, ator famoso e primeiro amante de Rufus, retorna a Nova York após uma temporada na França, onde se envolveu com o jovem Yves, a quem prometeu levar para os Estados Unidos para viverem juntos. O problema é que Eric vai se envolver com Cass, casada com Richard, mesmo ambos sabendo que a relação não será duradoura por causa da homossexualidade de Eric e a iminente chegada de Yves. 

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Giovanni – James Baldwin

“Com o fim da inocência, será também o fim da culpa.”
Nascido em Nova York em 1924, James Baldwin é considerado o maior escritor negro americano e o primeiro a dizer aos brancos, com clareza, o que os negros realmente pensavam e sentiam. Negro e homossexual, Baldwin usou essas duas bandeiras com combustível para os seus livros. Mas não era fácil ser gay e negro numa sociedade dividida pela cor, onde os negros ainda lutavam por direitos elementares. Desiludido, Baldwin se mudou para Paris no final dos anos 60, onde morreu em 1987, aos 63 anos.  Giovanni, publicado em 1956, é o seu segundo romance.
"Giovanni me encarou e isso me fez sentir que ninguém, em toda a minha vida anterior, havia olhado diretamente para mim...”.
David, o narrador, é um jovem americano problemático que vai para Paris para tentar se encontrar e faz, na Cidade Luz, o que todo jovem faz quando sai da casa dos pais para se encontrar: nada. Sempre acompanhado da namorada Hella e de amigos, David vive uma vida boêmia e sem rumo definido. Numa ida de Helle para a Espanha para também tentar se encontrar, David conhece Giovanni, um belo jovem de passado complicado com quem se envolve apaixonadamente.
“Era uma satisfação integral, completa e horrível. Eu sabia que nada podia fazer para sustar a excitação feroz que explodira dentro de mim como uma tempestade...”.
A partir daí, David vai viver um dilema. O amor por um homem desperta nele um duelo interno que se torna quase insuportável quando está na cama com Giovanni. Tesão e nojo, prazer e tristeza, amor e ódio se misturam ao mesmo tempo em que suas pernas se entrelaçam, seus lábios se tocam e suas salivas se misturam. Os conflitos internos de David não impede o casal de viver um tórrido caso de amor, levando-os a dividir o mesmo apartamento.  A volta de Hella à Paris fará com que o casal se separe e o drama de consciência de David aumente.
“Foi assim que conheci Giovanni. Acho que ficamos presos um ao outro no momento em que nos vimos”.
Embora tivesse no conflito racial um núcleo temático importante na sua carreira, Baldwin procurou não restringir o seu foco apenas nessa questão. No caso de Giovanni, não há um só personagem negro.

domingo, 24 de julho de 2016

O outro lado da moeda (Teleny) – [Oscar Wilde]

“Pude sentir seu hálito quente e ofegante sobre meus lábios. Embaixo, nossos joelhos se tocaram, e senti algo duro comprimir-se e movimentar-se de encontro às minhas coxas”. 
De cunho pornográfico e temática homossexual, O outro lado da moeda (Teleny) foi publicado pela primeira vez em 1893 anonimamente e clandestinamente. Porém, logo depois, foi atribuído ao escritor Oscar Wilde. No entanto, Charles Hirsch, dono de uma livraria londrina na época, preferiu atribuir a autoria a um grupo de escritores amigos de Wilde, devido a rasuras, correções e grafias diferentes encontradas no texto original. Sua publicação só foi autorizada em solo inglês em 1986, em virtude da Lei de Publicações Obscenas, de 1857, que regulamentava publicações de cunho erótico e sexual.
“A lembrança de meu pai me veio à mente e perguntei a mim mesmo, trêmulo, se meu senso também estaria me deixando”.
O narrador, Camille, conta a história que teve com um famoso jovem pianista da época, René Teleny. Se sentindo atormentado por ter atração por outro homem numa época em que a homossexualidade era crime, Camille não consegue conter o ciúme que sente do belo pianista. Chega a ser hilário suas tentativas de fazer sexo com mulheres, sem sucesso. É durante o dilema de Camille que o autor aborda temas como a moral, a natureza do ser humano e o preconceito, e acaba por estabelecer uma razão lógica do não pecado da homossexualidade.
“Um falo agia sobre mim como - eu suponho - sobre uma mulher muito voluptuosa; minha boca realmente se enchia d'água diante de tal visão, especialmente se fosse um de bom tamanho, vigoroso, com a cabeça arregaçada e a glande carnuda”.
Para quem procura uma literatura gay clássica, esse livro é o mais indicado. As cenas de sexo são fortes e de uma sensualidade e erotismo poéticos. De tão marcantes, as cenas dos dois personagens fazendo sexo termina por deixar a discussão sobre o preconceito em segundo plano. Mas o livro deixa uma lição indelével aos leitores de hoje: a hipocrisia, infelizmente, é uma das coisas que não mudou desde a longínqua Inglaterra do século XIX.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

"Não devemos fazer nada sobre que não possamos conversar depois do jantar”.
Publicado pela primeira vez como periódico em 1890 na revista mensal Lippincott's Monthly Magazine, O retrato de Dorian Gray foi revisado e ampliado pelo autor e publicado em formato de livro já no ano seguinte. Considerado imoral para a época, os editores suprimiram à revelia de Wilde algumas palavras antes da publicação. Mesmo assim, os críticos literários acusaram o autor de violar as leis que protegiam a moralidade pública.
"Pensei em ir dizer ao profeta que arte possui alma, mas o homem não. Receio, entretanto, que ele não me iria compreender”.
Na Londres aristocrática e hedonista do século XIX, o pintor Basil Hallward vê em Dorian Gray, um jovem pianista de uma beleza irretocável, a inspiração para pintar um quadro que deixem todos estupefatos com a perfeição da pintura e que leve todos a crer que o artista tenha captado a própria alma do modelo. Através de Basil, Dorian conhece o Lord Wotton, um aristocrata hedonista que o convence de que o único propósito a ser perseguido é o da beleza e do prazer.
“Não há nada que você, com sua extraordinária beleza, não possa fazer”.
Seduzido pelas palavras do Lord Wotton, Dorian lamenta que ele envelhecerá enquanto a sua figura pintada por Basil permanecerá sempre jovem e expressa o seu desejo de ser eternamente jovem, nem que tenha que vender a sua alma. Sob a influência de Wotton, Dorian se torna um jovem cínico, egoísta, cruel e insensível e todos os seus atos passam a refletir na pintura de Basil, que se deteriora com o passar do tempo, como se ela refletisse o estado em que se encontrava a alma de Dorian.
"Não sinto pavor da morte, o que me aterroriza é a aproximação da morte”.
Para muitos, O retrato de Dorian Gray não é apenas um romance filosófico com crítica social e moral, mas o primeiro romance com temática gay. Essa visão pode ser explicada não apenas pelo fato de Wilde ter sido homossexual, mas também pela obsessão dos personagens pela beleza física de Dorian. Chama a atenção também o fato de haver três personagens masculinos no centro da trama que pautam suas discussões na arte, na beleza e na vaidade e que é fácil perceber o embevecimento de Lord Wotton diante da beleza do jovem Gray.   
"O pecado sempre se inscreve no rosto dos homens, impossível escondê-lo”.

domingo, 17 de julho de 2016

A sangue frio – Truman Capote

“A pessoa supersticiosa muitas vezes acredita seriamente no destino”.
O escritor norte-americano Truman Capote é adepto e um dos grandes nomes do chamado New Journalism, estilo de narrativa surgida nos anos 60 que mistura a linguagem jornalística e a linguagem literária, uma tentativa de transformar reportagem em arte, como já comentei aqui em maio ao falar de Emboscada ao Forte Bragg, de Tom Wolfe, outro adepto desse estilo narrativo. A sangue frio, publicado em 1966, seu quarto romance, é considerado um marco da literatura norte-americana do século XX e inaugura esse movimento literário.
“Há uma considerável hipocrisia nas convenções”.
 No dia 15 de novembro de 1959, na pequena Holcomb, um vilarejo de apenas 200 habitantes no extremo oeste do estado americano do Arkansas, a família Clutter, conhecida e respeitada na cidade, é assassinada barbaramente. Herb, o pai, foi torturado e teve o pescoço cortado ante de levar um tiro na cabeça; Bonnie, mãe, e os filhos, Nancy e Kenyon, receberam um tiro na cabeça cada um. Em paralelo, conhecemos Perry e Dick, dois ex-presidiários em liberdade condicional que vivem aplicando golpes com cheques sem fundo. Dick, mentor do crime, é um sujeito rude e egocêntrico; Perry, baixinho de pernas atrofiadas, teve uma infância difícil e é carente de afeto.
“Talvez não sejamos humanos. Mas sou humano bastante para sentir pena de mim mesmo”.
 A partir de uma exaustiva pesquisa que incluiu visitas ao local do crime, entrevista com os assassinos e seus familiares e amigos, conversas com moradores da pequena cidade e familiares das vítimas, análise de documentos oficiais sobre o crime, Capote construiu um narrativa envolvente que prende a atenção do leitor capítulo a capítulo. O que poderia ser uma mera apuração de mais um assassinato nos EUA dos anos 50, se transforma na mão de Capote num texto extraordinário e agudo.