quarta-feira, 29 de junho de 2016

A segunda pátria – Miguel Sanches Neto

“Evitava esses encontros por saber que a multidão anula as decisões pessoais, criando um monstro impiedoso”.
E se o Brasil tivesse aderido ao Terceiro Reich durante a Segunda Guerra Mundial? E se Getúlio tivesse selado um acordo de cooperação com os alemães? E se o Brasil tivesse se transformado na maior comunidade nazista fora de Alemanha? No relato histórico não se usa a conjunção subordinativa condicional “se”. Ou o fato aconteceu ou não aconteceu. Na literatura isso é possível. É o que nos mostra Miguel Sanches Neto em A segunda pátria, publicado em 2015.
“Mãos acostumadas às armas dificilmente amam virar páginas”.
São duas narrativas paralelas que se passam no sul do país no final dos anos 30, quando a região se transformara em colônias alemãs em virtude de um tratado assinado entre os governos brasileiro e alemão. Um dos personagens é Adolpho Ventura, engenheiro negro e germanófilo que vê seu mundo desabar quando os alemães e descendentes começam a implantar suas ideias segregacionistas e racistas. Enviado para um campo de trabalhos forçados, perde contato com os pais e com o filho mestiço, fruto de um relacionamento com uma ariana pura.
“Na guerra, somos a máquina que vais ser destruída ou avariada”.
A ariana pura, no caso, é Hertha, uma belíssima descendente de alemães, inicialmente simpática ao nazismo, que rever seus princípios após ser atingida diretamente pelas ideias que defendeu na juventude. Descobrindo a gravidez logo após ser requisitada para prestar seus “serviços” a um alto signatário do governo alemão (o próprio Fuhrer), em visita ao Brasil, Hertha vê sua vida virar um inferno diante da incerteza se estava gerando um filho de Hitler. Inferno maior viria quando se descobre que a criança é filha de um negro.
“- Para tudo há um limite.
- Menos para o sofrimento.”
Esse é o segundo livro de Miguel Sanches Neto que leio. O outro, A primeira mulher, publicado em 2008 e comentado aqui em novembro do ano passado, já deu uma amostra do talento do escritor paranaense. A segunda pátria com sua narrativa de filme de aventura que propicia uma leitura ágil reafirma esse talento. A dor e o sofrimento humanos são explorados de forma perturbadora na experiência de Adolpho no campo de trabalhos forçados e na fuga dos seus pais carregando a criança mestiça para longe da maldade humana. Que venha o próximo livro de Miguel Sanches Neto!

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