domingo, 28 de fevereiro de 2016

Trinta anos esta noite (O que vi e vivi) – Paulo Francis

Em 1994, Paulo Francis resolveu fazer uma análise de fatos e personagens envolvidos direta ou indiretamente no Golpe Militar de 1964 e publicou Trinta anos esta noite (O que vi e vivi), seu sétimo livro. A obra peca ao se estender além da conta nas memórias pessoais do autor e ao analisar períodos que, a princípio, não estariam contemplados na ideia inicial, que é o Golpe Militar. Mas o livro se torna saboroso e divertido quando Francis começa a fazer o que mais sabia: falar mal de tudo. Da esquerda, da direita, dos artistas, dos políticos, dos intelectuais, em suma, do Brasil. 
“Às vezes acho que aguentei tanto tempo viver no Brasil porque estava em estado etílico na maior parte do tempo”.
Refere-se ao filólogo e diplomata Antônio Houaiss como um “embusteiro e obscurantista”, “compilador de dicionários e enciclopédias” e que por usar uma linguagem rebuscada, todos achavam que era culto. Para Francis, a maioria dos acadêmicos “não sabe sequer escrever”. Quando se referia a classe política não era menos incisivo. Falou que quando conheceu Ulisses Guimarães, teve que fazer “um esforço de vontade para não dar um salto para trás, fugindo do seu hálito”. Para ele, Sarney só poderia se considerado um escritor “num país de parca alfabetização”.
“Livro não se empresta. Também não se empresta dinheiro ao brasileiro. Não devolvem um e não pagam o outro”.
Mas não eram só as personalidades que eram alvos do veneno de Francis. As ideias também. Principalmente o nacionalismo e o socialismo.  Afirmava que “nenhuma nação enriqueceu pelo estado” e criticava a política econômica dos militares por esse “pecado”, como também os governos que antecederam e sucederam os militares. Ao final do livro, lamenta que nem mesmo um governo autoritário conseguiu implantar no Brasil uma política econômica moderna. Concordando ou não com Francis, não se pode negar que suas opiniões ácidas e divertidamente cáusticas são inteligentes.
“Marx achava impossível socialismo em país subdesenvolvido. Eu também. Dividir o que?”.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Filhas do segundo sexo – Paulo Francis

Na sua terceira incursão no campo da ficção, Paulo Francis consegue dá um salto positivo com relação á qualidade narrativa. A verborragia é deixada de lado e o autor consegue expor suas ideias sem cansar o leitor. Filhas do segundo sexo, publicado em 1982, seu quinto livro, terceiro de ficção, é composto por duas novelas, Mimi vai à guerra e Clara, Clarimunda, com fio condutor comum: a emancipação da mulher de classe média em meados dos anos 70.
O que mamãe explicava que Mimi entregaria a Gil na noite do casamento, Mimi entregara anos atrás e nem lembrava a quem...
A primeira novela, Mimi vai à guerra, começa com a personagem do título fazendo um “boquete” em Pedro, um coroa casado e endinheirado com quem tem um romance clandestino. Claro que Pedro não é o único, mas Mimi o considera o “titular”. Alternando malícia e ingenuidade, Mimi tenta convencer a esposa do amante, uma matrona arrogante, a conceder-lhe o divórcio para que ambos possam viver esse “grande amor”. As consequências são desastrosas.
Clara ficou de pé. Não tinha remorsos, tinha carências...
A segunda novela, Clara, Clarimunda, a personagem-título abandona a carreira para cuidar doas filhas e acompanhar o marido, também cientista social, no mestrado e no doutorado. Apesar do companheirismo entre ambos, os anos de casamento destroem o romantismo, o que desagrada Clara, que buscará novos horizontes em termos afetivos. Em ambas as novelas, Francis consegue o que não conseguiu nos seus dois primeiros romances: prender o leitor com uma narrativa fácil e trazer à luz suas ideias sobre emancipação feminina.
"A ilusão do livre arbítrio é a mais poderosa e intoxicante"

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Cabeça de negro – Paulo Francis

Continuação de Cabeça de papel, a história de Cabeça de negro, publicado em 1979, se passa nos governos de Geisel e Figueiredo. O jornalista Hugo Mann, alter ego de Francis, está de volta. Estabelecido nos Estados Unidos, vem constantemente ao Brasil, onde se encontra com o stalinista Álvaro, o psiquiatra trotskista Juca Hansen e com ricaça excêntrica Maria, simpatizante da esquerda, mas casada com Maneco, um ricaço que patrocina ações da repressão.
“Os muito ricos sofrem do pudor insuperável de discutir dinheiro, exceto para negá-lo ou tomá-lo”.
“Boas cercas fazem bons vizinhos”.
Logo no início nos deparamos com o assassinato do meliante que dá nome ao livro, que teria tentado estuprar Maria. Na tentativa de evitar um escândalo, Hugo, com a ajuda do dinheiro de Maneco, maquia a cena do crime. Passamos a imaginar que esse episódio terá alguma importância no decorrer da trama. Não tem! Entre recepções e festinhas da alta sociedade, pileques memoráveis e discussões ideológicas inócuas, Hugo Mann se vê envolvido numa conspiração patrocinada pela KGB e por órgãos de repressão brasileiros.
“Cristo nunca riu, minha primeira desconfiança dele”.
“A estupidez pode ser uma opção existencial”. 
Cabeça de negro, apesar de menos intelectual e menos verborrágico do que Cabeça de papel, ainda peca pelos diálogos cuja função é, exclusivamente, registrar as opiniões, impressões e percepções do autor. O leitor não consegue se sentir na pele dos personagens, uma característica do bom romance. Se Francis tinha a intenção de escrever um thriller, pecou pelo excesso de ideologia dos seus personagens, o que faz com que o enredo “se arraste”. Aliás, isso é o que marca os dois primeiros romances de Paulo Francis. 
“Não acredito em Deus, mas ele acredita em mim o bastante para fazer da minha vida um tormento permanente”.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Cabeça de papel – Paulo Francis

Quando publicou Cabeça de papel em 1977, o jornalista Paulo Francis tinha a pretensão que fosse o primeiro volume de uma trilogia que esmiuçasse a elite intelectual brasileira nos anos imediatamente antes e depois do golpe militar de 64, uma espécie de acerto de contas do autor com seu passado, quando os intelectuais da sua geração acreditavam poder mudar o país. Como admitira em 1994, tinha perdido “muito tempo com a política” e queria expor suas ideias (sempre carregadas de polêmicas) através desses três romances.
“(Ingmar) Bergman está inventando que a classe média pensa, sente, que é gente. Só se for na Suécia, mas lá não tem negro, mulato, mestiço, índio, mineiro, nordestino, paulista (...). Aqui não dá pé”.    
Hugo Mann (personagem-narrador e alter ego de Francis) é um crítico de cinema desiludido, descrente da esquerda partidária. Paulo Hesse é o ex-esquerdista que foi “cooptado pelo sistema”, como se dizia na época. Há quem diga que esses dois personagens lutavam dentro das incertezas do próprio Francis. Com uma narrativa meio confusa e anárquica, Hugo e Paulo vão expondo seus pontos de vista sobre cinema, politica e comportamento, um por convicção e o outro por conveniência.
“O mau gosto é filho inabortável e incorrigível da riqueza nova”.
Paulo Francis “Carregou nas tintas” de tal forma que os editores tiveram que cortar parte do texto para que ele ficasse menos intelectual. Não resolveu muito! O livro se equilibra mal entre os debates de ideias, jorradas da boca dos personagens como uma metralhadora, e a sequência narrativa. Resultado: o encadeamento entre as cenas é frágil e, muitas vezes, confuso. Confuso também são os monólogos do personagem-narrador que pouco servem à narrativa.
Um casamento que resiste, ou qualquer relação constante entre pessoas, precisa do estímulo das crises falsas, que, falsas, são fáceis de resolver”.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Paulo Francis – Daniel Piza

Concorde ou não com ele, Paulo Francis era o tipo de jornalista que mexia com quem lia seus textos. A direita o acusa de esquerdista e comunista, a esquerda o acusava de reacionário. O fato é que Francis não tinha “papas na língua”. E essa língua solta o colocou em situações vexatórias, se indispondo com muita gente, a ponto de sofrer agressões físicas. No caso, do ator Paulo Autran e do então marido da atriz Tônia Carreiro, Adolfo Celi, a quem acusou de se prostituir e vender fotos suas pelada. Tudo isso é contado no livro Paulo Francis, do jornalista Daniel Piza, publicado em 2004, na série Perfis do Rio.
Nascido Franz Paul Trannin da Matta Heiborn, no Rio de Janeiro, em 1930, neto de alemães, estudou em escolas católicas até entrar para a Faculdade Nacional de Filosofia, nos anos 50. Nesse período fez parte do Centro Popular de Cultura da UNE e foi ator amador. Abandonou o curso no Brasil para fazer pós-graduação em literatura dramática na Universidade de Columbia, que também não concluiu. Começou no jornalismo como crítico de teatro no Diário Carioca, entre 1957 e 1963. A partir desse ano, foi convidado por Samuel Wainer para assumir a coluna política no Última Hora. Foi contra o Golpe Militar de 1964 e durante a Ditadura Militar trabalhou no Pasquim.
Nos fim dos anos 70, Francis enveredou pela literatura. Nos próximos textos desse blog, vamos falar sobre alguns livros de ficção e não ficção escritos pelo jornalista nos vinte anos seguintes. Em 1977, publicou Cabeça de papel, que teria sua continuidade com Cabeça de negro, dois anos mais tarde. Em 1982 é publicado Filhas do segundo sexo, com duas novelas que tematiza a emancipação da mulher de classe média na época. Em 1994, Francis publica Trinta anos essa noite, livro de memórias sobre a Ditadura Militar. Postumamente, foi publicado em 2008 o livro Carne viva, que seria o terceiro volume da trilogia que Francis pretendia escrever, junto com Cabeça de papel e Cabeça de negro.
Paulo Francis morreu em 1997, vítima de ataque cardíaco. Muito acreditam que foi consequência do estresse a que vinha sendo submetido nos últimos meses, quando foi processado por acusar, sem provas, os diretores da Petrobrás de possuírem US$ 50 milhões em contas na Suíça. Diante da condenação quase certa a pagar uma indenização milionária, o coração de Francis não suportou.