domingo, 11 de outubro de 2015

O bonde da história ou: Tá difícil viver nesse trem

Em um ranking de 80 países, o Brasil está entre os piores lugares para se morrer, segundo estudo da consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU).  Quando o assunto é a qualidade dos cuidados paliativos oferecidos aos pacientes terminais, o Brasil ocupa somente o 42º lugar. O objetivo desses cuidados paliativos é melhorar a qualidade de vida dos pacientes terminais, como atendimento domiciliar, capacitação de pessoal, acesso aos cuidados, entre outros. Dos 80 países estudados, apenas 34 oferecem condições adequadas para pacientes no final da vida.
E se morrer no Brasil está difícil, viver também não é fácil. Segundo dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram assassinadas 58.559 pessoas em 2014, uma média de 160 pessoas mortas por dia. São números de países em guerra! Se isso não bastasse, o Fórum também mostra que no ano passado no Brasil houve 47.646 estupros, uma média de um estupro a cada 11 minutos. Como é o crime que possui a maior taxa de subnotificação no mundo (algumas pesquisas indicam que apenas 35% das vítimas denunciam seus agressores), segundo o próprio Fórum, acredita-se que os números reais sejam bem maiores, algo entre 136 mil e 476 mil.
E como se essa violência não fosse excessivamente insana, um grupo de 17 deputados federais “iluminados” resolveram aprovar em Comissão Especial o projeto do deputado Anderson Ferreira (PR-PE) que estabelece que a família brasileira deve ser composta somente por homem e mulher, ignorando os demais arranjos familiares. Guiados por doutrinas religiosas fundamentalistas, esses deputados ignoram a realidade mostrada pelo IBGE em 2013: apenas 43,9% das famílias brasileiras são formadas por um homem, uma mulher e filhos. O restante das famílias possuem quase 20 arranjos alternativos, ignorados solenemente pelos parlamentares.
O que não se pode ignorar é a motivação religiosa desses parlamentares, cujo propósito é anular as conquistas alcançadas com o reconhecimento, por parte do STF e das instâncias inferiores do Judiciário, das relações homoafetivas. Querem também anular inciativas do Executivo, que hoje possui políticas de atendimento à pessoas que querem mudar de sexo. Sem contar que bancos aceitam rendas conjuntas para compra de imóveis, fundos de pensão e o INSS reconhecem parceiros do mesmo sexo para pagamento de pensões e aposentadorias. Até mesmo as escolas mudaram a festa do Dia dos Pais e das Mães para a Festa da Família.
Pois bem, em nome de um “deus” que dizem ser “misericordioso”, esses deputados querem jogar na marginalidade uma parcela considerável da sociedade por que esse mesmo “deus” teria feito apenas “homem e mulher” visando a procriação, portanto essas relações seriam “aberrações” por não cumprirem sua função última: ter filhos. De acordo com a visão utilitarista dos religiosos e seus representantes, essas famílias seriam “inúteis” para a sociedade.
Não se discute o direito das igrejas de pensarem como pensam, afinal um dos pilares da democracia é a liberdade de pensamento, mesmo que seja uma forma de pensar ultrajante, mesquinha, que marginaliza. O que questiono é que esse povo quer impor à toda a sociedade a sua forma de pensar e viver, ignorando a laicidade do Estado e os novos valores sociais que surgiram nos últimos dois mil anos. Não percebem que perderam o bonde da história, que é impossível viver de acordo com um livro escrito há milênios e que não representa o conjunto da sociedade.   
Felizmente é pouco provável que consigam estender a todos um estilo de vida rígido (pelo menos na aparência) movido a orações, com a repressão dos prazeres terrenos em nome de uma “pureza moral” que levaria todos à salvação num paraíso perfeito e distante e que existe apenas na imaginação de quem é dotado de parca inteligência.  
Se conseguissem o seu intento, seria difícil viver nesse trem!

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