terça-feira, 31 de março de 2015

Perdemos a humanidade


Um dia cheguei a pensar que o que diferenciava o ser humano dos demais animais era a capacidade de pensar racionalmente, a capacidade de se emocionar ou de se sensibilizar. A foto da pequena Hudea, de 4 anos, nos mostra que fracassamos como seres humanos, não passamos de mais uma espécie animal sobre a terra, talvez um pouquinho pior do que as outras espécies.
O fato de eu não gostar da companhia de pessoas chocava alguns, que achavam um exagero o desprezo que eu nutria (e ainda nutro) pela maioria dos humanos (esmagadora maioria). A pequena Hudea com seus bracinhos levantados e mãozinhas fechadas acima da cabeça mostra que eu estava (e ainda estou) certo. O ser humano não vale a pena.
Quem me conhece sabe que sou meio “ogro”, insensível, durão. Poucas coisas me comovem. Os lábios contraídos e os olhinhos temerosos da pequena Hudea, fitando a câmera do fotógrafo turco Osman Sağırlı me comoveram. Comoveram um velho “ogro” até leva-lo às lágrimas. Somente a pequena Hudea para derramar lágrimas de olhos tão áridos.
A pequena Hudea foi clicada em dezembro passado num campo de refugiados na Síria. Quando o fotógrafo turco sacou sua máquina para clica-la, a pequena Hudea pensou tratar-se de uma arma e se “rendeu”. A foto se tornou viral na Web e mostra como a brutalidade de uma guerra em nome do poder e da religião destrói a inocência de crianças, que desde a mais tenra idade já sabe o significado e a inutilidade de uma rendição.  
Somente a pequena Hudea para nos mostrar que a humanidade fracassou.   

quarta-feira, 25 de março de 2015

A espada de Cid



Não me refiro ao guerreiro castelhano do século XI. Trata-se da língua do ex-ministro da educação Cid Gomes, que teve uma crise de sinceridade que custou-lhe o cargo. Depois de falar para estudantes no Pará que havia no Congresso uns “300 ou 400 achacadores”, foi chamado pelos deputados para “explicações”. Como a política é uma beldade de intestinos podres, esperava-se que o ex-ministro dissesse que a frase não tinha passado de um mal entendido e tudo voltaria a ser como sempre foi, ou seja, todos fechando os seus narizes para as flatulências pútridas da beldade. Não foi o que se viu.
Cid Gomes não só reafirmou o dito, como disse o que todo mundo gostaria de dizer para aquela horda de canalhas: que os nossos parlamentares apostam no “quanto pior, melhor”; que são não apenas inúteis para a nação, mas prejudiciais.  Teve deputado afirmando aos brados que Cid não tinha “moral” para exercer o cargo de ministro. E os congressistas “achacadores” tem? Sabemos que Cid Gomes não é um exemplo de político a ser seguido e que não fez isso por solidariedade ao povo brasileiro, mas por que já sabia que cairia na reforma ministerial que se aproxima para dá mais espaço ao insaciável PMDB.
O ex-jogador e agora senador Romário também teve uma crise de sinceridade. Em entrevista à revista Placar, fez a seguinte afirmação: “Achava que política era só ladrão e sacanagem. E acertei”. A diferença é que Romário voltou atrás no que falou, afirmando que se expressara mal. Com isso, o baixinho perdeu uma ótima oportunidade de marcar mais um gol de placa, dessa vez fora dos gramados.
Existe, há tempos, uma necessidade premente de chamar nossos políticos à realidade. Não dá para a classe politica viver numa realidade alternativa, num mundo esquizofrênico onde tudo é lindo, ou se não é, não cabe à eles embelezar a realidade. O país passa por uma crise e não se viu ainda o parlamento se manifestar para cortar parte das suas inúmeras regalias.
Infelizmente, a política brasileira em todos os níveis virou um esgoto a céu aberto, onde cabe ao eleitor escolher, a cada quatro anos, o detrito que irá escorrer por suas valas. Enquanto isso, o cidadão fica órfão de politico de vergonha e esgoto de verdade...

terça-feira, 17 de março de 2015

Eu não desisti de Marcelo Mirisola

Tempos atrás li uma entrevista do escritor paulista radicado no Rio de Janeiro Marcelo Mirisola no blog Máquina de escrever, do jornalista Luciano Trigo, onde ele era chamado de “O Bukowski Brasileiro”. Como sou fã do Velho Buk e curioso por natureza, resolvi conhecer a obra desse escritor até então desconhecido para mim. Adquiri em livrarias online três livros: O herói devolvido e Memórias da sauna finlandesa, ambos de contos; e o romance Joana a contragosto.
O primeiro que li foi O herói devolvido, coletânea com 30 contos, lançada originalmente em 1998 e reeditada em 2000 com algumas revisões. Na maioria dos contos desse livro, o que se vê é um arrazoado de palavras que, se postas em qualquer sentido, dirão a mesma coisa, ou seja, nada. Mas nem tudo se perdeu! Alguns contos fazem jus à fama de Mirisola: iconoclasta, ácido, politicamente incorreto, despudorado, sarcástico. É o caso de Pepê, um cara legal, em que o narrador faz sexo com um “mongoloide”. Também se salva Basta um verniz para ser feliz, que narra a vida sem graça, mas “feliz”, de um casal de classe média.
Apesar da animação combalida, passei para a leitura de Memórias da sauna finlandesa (foto acima), coletânea de 21 contos, lançada em 2010. As características (as boas e as ruins) não mudam muito. Destaque é o conto Para o Dostoievski do Jardim Casqueiro, onde Mirisola mistura futebol com Mariana Ximenes e retorna ao enredo como se nada tivesse acontecido. Há também o conto Canjica, onde ele desmistifica o poeta Paulo Leminski, considerado uma unanimidade pelos “entendidos” em poesia.
Ainda sem empolgação, parti para Joana a contragosto, romance de 2005, uma verdadeira ode ao “pé-na-bunda”. O narrador quarentão é abandonado pela ninfeta Joana, de 21 anos, depois de apenas um encontro amoroso e passa 187 páginas se lamuriando em um monólogo monótono, repetitivo, verborrágico e enfadonho. De tão repetitivo, era possível dizer em cinco páginas o que ele levou um livro inteiro para dizer.
Mas não desisti de Mirisola! Vou continuar lendo suas obras. O fato de ser comparado ao Velho Safado conta a favor. Tal comparação não deve ser em vão. Ser um escritor transgressor também conta a favor para que eu continue lendo Mirisola. Mas o fato das Igrejas evangélicas não gostarem dele significa que nem tudo está perdido. Se os evangélicos não gostam, então nem tudo está perdido.  


segunda-feira, 9 de março de 2015

A transformação de cérebro em gelatina

Causou preocupação em alguns o vídeo em que aparecem jovens da Igreja Universal marchando em um templo da igreja sob o comando de um pastor. São os Gladiadores do Altar, um grupo de jovens treinados para marchar pateticamente aos moldes militares cuja missão, segundo a Igreja Universal, é apenas buscar novas almas para a igreja. Mas, a despeito das explicações dos pastores salvadores de almas perdidas, alguns falaram logo em “milícia”, outros em “fundamentalismo cristão”, outros ainda em “perseguição de ateus e homossexuais”.
Não acredito em nada disso! Não que os nobres irmãos evangélicos não acalentem o sonho de impor seu modus vivendi a toda a sociedade. Um modus vivendi sem graça, diga-se, onde não se bebe, não se fuma, não se faz uma sacanagenzinha além de um insípido papai e mamãe visando fazer rebentos. Não acredito nesse clima de guerra e perseguição religiosa por que o brasileiro é frouxo. Nem a doutrinação dos pastores arranca o brasileiro do seu medo. Brasileiro tem medo até de bombinha de São João. Tiro de fuzil então tem o poder de laxante nos sensíveis intestinos tupiniquins.
E não me venham falar em tradição pacífica do brasileiro. Isso é eufemismo para frouxidão! Brasileiro é acomodado. Se as contas estiverem mais ou menos em dia; o seu time estiver entrando em campo, mesmo que perdendo; e o assassino da novela das oito estiver sendo desmascarado está bom demais. Para esses “guerreiros” do altar a coisa é bem simples: se estiver empunhando sua Bíblia ensebada e envergando seu terno naftalinado todo final de semana a salvação está garantida e o Brasil que se dane.
Não que eu ache isso ruim. Não gosto de guerras e é patético um bando de barbudos ficarem trocando tiros em nome de um deus que nem eles nem ninguém (nem mesmo o próprio deus) sabem se existe. O que me preocupa nisso tudo não é a possibilidade de uma guerra em terras abaixo do equador, mas a transformação de jovens imberbes em imbecis, a transformação de cérebros em gelatinas insípidas.