terça-feira, 31 de julho de 2012

Analfabeto de pai, mãe e nação


Segundo os resultados do inaf (Indicador do Analfabetismo Funcional), pesquisa organizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela organização não governamental Ação Educativa, apenas 35% das pessoas que terminam o ensino médio podem ser consideradas plenamente alfabetizadas. Em outras palavras: 65% das pessoas que concluem o ensino médio não conseguem ler um texto longo, analisando as informações nele contidas e relacionando as suas partes. Não conseguem distinguir fato de opinião nem chegar a nenhuma conclusão.  
E as más notícias continuam: 38% das pessoas que terminam o ensino superior têm nível insuficiente de leitura e escrita. Isso não é novidade. Conheço um sem número de “profissionais” que mal sabem ler e escrever. Ainda de acordo com a pesquisa, somente 26% dos brasileiros podem ser considerados plenamente alfabetizados. O estudo indica que a massificação da educação no Brasil (segundo o IBGE, cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre os anos de 2000 e 2009) não foi acompanhada dos devidos investimentos para garantir a sua qualidade. Houve aumento na quantidade, mas não na qualidade.  
Enquanto não forem tomadas medidas que melhorem a qualidade (não apenas a quantidade) da educação brasileira, esse círculo vicioso (e pernicioso) vai perdurar: esses analfabetos letrados sairão das universidades e se espalharão pelos vários níveis de ensino, seja regular ou técnico, e “formarão” os nossos estudantes que irão ingressar nas universidades, que se tornarão novos analfabetos letrados. Essa é a nossa elite pensante! É necessário repensar o nível de exigência na hora de formar esses profissionais. É necessário repensar a estabilidade e a isonomia no serviço público. É necessário repensar a valorização dos profissionais. O Brasil não pode continuar a ser um país de analfabetos... com diploma.   

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O universo paralelo


O universo paralelo é você.  Você sou o EU que eu quero ser. O EU mesmo. Sem limites, sem travas, sem nada. Marcado pela sinuosidade feminina e pela objetividade masculina. Sem perdão por que não há culpa. Não há culpa por que não há pecado. Não há claridade por que não há sombras. Somente o EU e a epopeia dionisíaca na companhia do diabólico deus Baco. Falo duro para manifestar todos os prazeres. Micro partículas de matéria se convertendo em todos os estados físicos conhecidos. Viva o físico! Viva o prazer!
O universo paralelo tem o formato de corredores solitários. Sucessão de letras que formam palavras que, por sua vez, formam o universo paralelo. Livros abertos com ideias claras. Ideias impressas que atribuem Imagens à tela muda dos espíritos insípidos. Antes somente o verbo, agora também o verbo. O ócio prazeroso de todos os verbos. O cheiro de celulose invade cada célula e se sobrepõe aos megabytes e terabytes da máquina.
O universo paralelo não tem abstração temporal, apenas o tempo. A centena espreita a todos do amanhecer ao entardecer e essa atmosfera vai nutrir todas as almas inodoras.  A noite é lacônica, distraindo os notívagos até o sol surgir novamente. Que não nasça! Um dia perfeito: frio, cinzento e chuvoso. O frio aquece o sangue dos viventes. Cada unidade mínima de tempo cria milhões de bolhas de realidades alternativas. E eu estou em todas elas. Eu sou onipresente!   

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A lógica do futebol


Concordo com aquela máxima que o futebol não tem lógica. Dentro de campo. Por isso é um esporte tão apaixonante. Nem sempre o melhor vence. Isso não acontece em outros esportes. Mas a lógica que falta dentro de campo deveria sobrar fora dele. Principalmente na administração dos clubes. Isso não vem acontecendo. Falta não apenas lógica, mas racionalidade. Talvez isso explique a situação de penúria em que se encontra a maioria dos clubes brasileiros, mesmo com torcidas numerosas e apaixonadas.
Vejamos apenas o ultimo exemplo entre tantos. Imagine um funcionário de uma empresa que procura seu chefe e pede demissão alegando que não se sente mais capaz de dá 100% do seu potencial, que não consegue trabalhar “pela metade”. Será que outra empresa faria uma proposta de trabalho para esse profissional se dispondo a pagar-lhe três vezes mais do que ele ganhava?  Isso aconteceu com o jogador argentino Riquelme, do Boca juniors.
Após a final da Libertadores, o jogador comunicou ao clube que não mais jogaria pelo Boca alegando os motivos já citados. De imediato o Flamengo ofereceu um contrato ao jogador, que ganharia no clube carioca R$ 500 mil mensais. Três vezes o que ele ganha no Boca. E ele recusou! Recusou por causa de uma das consequências dessa falta de lógica na hora de administrar: a falta de pagamento. Ter um contrato com um clube brasileiro não é garantia que de vá receber no final do mês. A insanidade do clube também está em fazer uma proposta dessa a um atleta de 34 anos que, a olhos vistos, não é mais aquele jogador de dez atrás. Pra sorte do Flamengo, ele recusou.  

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A faca e o mandarim – Sinval Medina


Um jornalista em final de carreira acomodado que se conforma com a seção de óbitos de um jornal e com um emprego público. Esse é Custódio de Paiva Lima, o personagem narrador de A faca e o mandarim, de Sinval Medina, publicado em 2004. Em agosto de 1954, após o assassinato do presidente Getúlio Vargas, Custódio, que tinha como única perspectiva a aposentadoria, decide aproveitar uma licença-prêmio para escrever sobre o senador Pinheiro Machado, seu bem feitor que lhe conseguiu a “colocação” no governo e que foi assassinado em 1915. 
O livro é o prosseguimento da série de romances de época iniciada pelo autor em 1983 com Memorial de Santa Cruz e Tratado da altura das estrelas, de 1997. Com um vocabulário rico, mas sem pedantismo, o autor nos apresenta, nesse romance, um panorama da política brasileira do início do século XX. Vale a pena ler...

terça-feira, 24 de julho de 2012

A regulamentação da profissão de prostituta


Recentemente, ouvi o seguinte diálogo:
- Você viu? Tão querendo regulamentar a prostituição.
- Era só o que faltava. Tanta coisa mais importante...
As pessoas do diálogo referiam-se ao Projeto de Lei do deputado federal Jean Willys (PSOL-RJ), que regulamenta a profissão e baseia-se na legislação alemã. Regulamentar a profissão de prostituta não é mais importante nem menos importante. É simplesmente importante!
É espantoso como as pessoas balizam seus conceitos apenas em valores religiosos sem se preocupar com o bem estar do seu semelhante (o que não deixa de ser um paradoxo). A prostituição é uma realidade em todo o mundo e regulamentá-la significa dar dignidade e proteger não apenas a prostituta, mas também o cliente que contrata seus serviços. Não é possível tapar o sol com hipocrisia. Amar o pecador, mas condenar o pecado é a maior delas. Pecado é tudo aquilo que temos medo. O amor é incondicional e quem ama quer o bem.
Com um pouco de boa vontade (e desprovido de preconceitos) é possível fazer um paralelo entre a “profissional do sexo” e qualquer outro profissional. Quando trabalhamos “vendemos” nosso corpo ao nosso empregador. A diferença é que a prostituta “vende” uma determinada parte do corpo que as religiões cristãs insistem que deve ser usada apenas para procriar. Acreditar que devemos fazer sexo apenas para procriar é o mesmo que acreditar em Papai Noel. As pessoas trepam por prazer! A gravidez é apenas uma consequência. Às vezes, uma inconsequência.  Puta que o pariu!!! (perdão pelo trocadilho). 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Deus perdoa*

                                                       Paulo: o primeiro dos missionários

Casei com um homem mais velho, bem mais velho. Casei por interesse. Minha mãe foi a única pessoa que ficou feliz; meu pai me perdeu por causa de dívida, dívida com a máfia italiana ou da roça mesmo. No Brasil é difícil saber de onde vêm as pessoas, somos uma família de expatriados.

Nasci em um sítio perto de Campinas. Aos 9 anos incompletos, fui morar com uma irmã mais velha na cidade. Terminei meus estudos regulares e então me mandaram para São Paulo. Até os 22 anos de idade eu tinha uma vida muito extravagante, dava para caras endinheirados por muita grana e morava bem em um apartamento da Alameda Lorena. Eu era bonita, muito bonita.

Paulo Roberto era velho, muito velho. Amigo de família, lá dos tempos da roça, um dia ele veio em casa e jogou uma maleta com oitocentos mil reais na mesa de jantar e um contrato de casamento. Meu pai estava junto com ele.

- Minha filha querida...

- Saia, papai! Paulo, fique.

Desde então, fiquei ainda mais bonita; Paulo Roberto, ainda mais velho. Meu pai, morto. Graças a Deus. Ele perdia muito dinheiro. Em seu leito de morte, a alma de papai foi pesada em menos de 21 gramas. Minha mãe também já morreu, morreu feliz. Paulo Roberto foi amante de mamãe, talvez por isto ela sabia que ele me faria feliz.

- Emanuelle, meu amor será teu escravo.

- Sim, estou protegida ao seu lado. Obrigada.

Tenho um filho. O filho é do Edu, mas Paulo Roberto pensa que é dele. Que velho burro! Várias vezes ele já me pegou na cama com outros homens e até mulheres, mas só diz: “Deus perdoa”. Paulo não é Deus, é meu pai biológico.

Deus não joga dados fora, diria algum leitor com ares de cientista. Eu acredito em Deus. Por isto não tenho remorso de nada, Deus perdoa tudo. Eu posso trair, enganar, roubar; Paulo pode trair, enganar, roubar e até matar; Deus perdoa, e isto é tudo.

A minha vida é muito boa. Sou uma mulher de 33 anos que não conhece varizes nem limite de cartão de crédito. Encontrei a partícula de Higgs, não vou à igreja, ouço Alice in Chains e tenho hora marcada na sessão de yôga toda manhã. Quando Paulo Roberto morrer, vou abrir uma rede de academia de ginástica.

*Ricardo Novais

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A Idade Média é aqui


A imposição de ideias e valores está na essência de todas as religiões. Toda religião é autoritária na hora de impor padrões de comportamento aos seus membros. Isso todo mundo sabe. Não se espera que os rituais, princípios teológicos ou maneiras de agir de determinada religião se dê por escolha democrática dos seus membros. Mas isso são mecanismos internos que cada religião. Quem se converte à uma determinada religião sabe que as coisas acontecem assim. Se convertem por livre e espontânea vontade. Mas quando as coisas descambam para a intolerância com outras religiões, o quadro muda e torna-se mais grave.
Aconteceu em Olinda no último domingo. Um grupo de evangélicos fez uma manifestação em frente a um templo de umbanda aos gritos de “Sai daí, satanás!” (imagens nos links abaixo). Segundo o filósofo e babalorixá Érico Lustosa, o grupo forçou o portão do templo e fez ameaças verbais aos membros da religião de matriz africana. Tudo isso, ainda de acordo com o babalorixá, seria consequência da morte de uma criança no interior do estado cujo assassinato foi atribuído a um pai de santo durante um ritual de “magia negra”. Por essa lógica perversa, teríamos que destruir todos os automóveis, pois alguns deles atropelam e matam pedestres.
Sei que o assunto é delicado, mas me atrevo a abordá-lo. A felicidade e a verdade são  valores pessoais e intransferíveis. Aquela verdade que me proporciona felicidade não necessariamente irá ter o mesmo efeito sobre outras pessoas. Se um sujeito converte-se a uma religião (qualquer uma!) e sente-se feliz mesmo com todas as limitações aos “prazeres do mundo” que a religião escolhida lhe impõe, ele está no lugar certo. Mas ele não pode impor a outrem essa verdade como o caminho da felicidade.
Impor seus valores tem um nome: intolerância, que é filhote do fundamentalismo. E o fundamentalismo não é condizente com uma sociedade civilizada e harmoniosa. O fundamentalismo turva o discernimento e não permite que o sujeito contaminado siga os princípios que ele mesmo apregoa.  Deixemos que cada um encontre por conta própria a sua verdade e a sua felicidade. Não deixemos que a Idade Média seja aqui!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os mistérios de Mona Lisa


Arqueólogos italianos acreditam que, finalmente, estão perto de desvendar o mistério do quadro mais famoso de Leonardo da Vinci, Mona Lisa. Eles encontraram uma ossada sob o piso do Convento de Santa Úrsula, em Florença, que acreditam ser da florentina Lisa Gherardini (1479-1572), também conhecida como Lisa del Giocondo, esposa do comerciante Francesco del Giocondo, que teria servido de modelo para o pintor.  A empolgação dos estudiosos se deve ao grande mistério que envolve a obra, pintada pelo artista florentino entre os anos de 1503 e 1507. E já adianto que, independente das conclusões a que os estudiosos possam chegar com esse achado, o mistério perdurará.
O linguista Mario Alinei defendeu a tese, em livro lançado em 2006, de que a modelo era uma mulher morta cujos olhos não haviam sido fechados ainda. Há quem diga, como a cientista Lillian Schwartz, que a modelo retratada, na verdade, não era ela. Era ele! O próprio da Vinci vestido de mulher. Essa tese foi reforçada com os rumores de que o italiano era homossexual. Mas também há quem diga que a modelo não era Lisa nem da Vinci, mas outra mulher: Isabel de Aragão, duquesa de Milão. Essa teoria é defendida pelo historiador Maike Vogt-Luerssen.
Independente das teorias que surgem, comprovadas ou não, o mistério em torno da personagem de sorriso tímido e enigmático irá persistir.  Talvez seja isso ( e não as técnicas utilizadas ou as mensagens subliminares que porventura o artista quis passar) que faça dele o quadro mais valioso e importante da história da arte.    

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Mandela Day


Hoje o ex-presidente sul africano Nelson Mandela completa 94 anos de idade e, graças à iniciativa da sua fundação, o 18 de julho se converteu no “Mandela Day”, uma data reconhecida pela ONU como um chamado mundial para as pessoas destinarem 67 minutos de seu tempo a ajudar seus semelhantes. Cada minuto representa um ano de vida que Mandela dedicou às causas sociais e públicas. Nelson Mandela ocupou a presidência da África do Sul de 1994 a 1999 depois de passar 27 anos na prisão por combater o regime de segregação racial que existia no país. Abaixo, a cronologia de Mandela:

1918 - Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em 18 de julho, perto da localidade de Qunu, em Transkei (hoje Cabo Ocidental). É o filho mais novo de um conselheiro do chefe do clã Thembu.
1944 - Mandela devotou sua vida à luta contra a dominação branca no país e deixou os estudos no começo da década de 40, na Universidade Fort Hare, para se dedicar à causa. Fundou a Liga da Juventude do Congresso Nacional Africano (CNA), com Oliver Tambo e Walter Sisulu. No mesmo ano, casou-se com sua primeira mulher, Evelyn, com quem teve uma filha e dois filhos. Eles se divorciaram em 1957.
1952 - Mandela foi preso com outros ativistas sob o Ato de Supressão ao Comunismo. O cárcere, entretanto, não impediu que ele fosse eleito vice-presidente nacional do CNA.
1958 - Casamento com Winnie Madikizela, de quem viria a se separar em abril de 1992.
1962 - Ele deixou o país secretamente para treinamento militar na Argélia. De volta à África do Sul, foi capturado e sentenciado a cinco anos por incitamento e por deixar ilegalmente o país.
1963 - Enquanto cumpria pena, Mandela foi condenado por conspiração e sabotagem no Julgamento de Rivonia. Na época, transformou sua defesa em um testemunho político: "Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e que espero alcançar. Mas se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer".
1964 - Em 12 de junho, Mandela e outras sete pessoas receberam pena de prisão perpétua em Robben Island, perto da Cidade do Cabo.
1990 - Frederik Willem de Klerk, último presidente branco da África do Sul, derrubou o banimento ao CNA e outros movimentos de libertação em 2 de fevereiro. Nove dias depois, Mandela foi libertado.
1991 - Mandela assumiu como presidente do CNA.
1993 - Em outubro, Mandela recebeu o Prêmio Nobel da Paz com Frederik de Klerk.
1994 - Em 10 de maio, um dia histórico para a África do Sul, Mandela assumiu como o primeiro presidente negro do país. Ele usou o seu prestígio em prol da reconciliação dos povos sul-africanos e estabeleceu uma Comissão de Verdade e Reconciliação para investigar crimes cometidos durante a luta antiapartheid.
1997 - Em dezembro, ele entregou a liderança do CNA para o então vice-presidente, Thabo Mbeki, na primeira etapa da transferência de poder.
1998 - Em 18 de julho, Mandela celebrou seu 80º aniversário com um casamento. Sua terceira mulher, Graca Machel, era viúva do presidente moçambicano Samora Machel.
1999 - Em 16 de junho, ele entregou o poder ao discípulo Mbeki, que considerava um líder mais jovem e melhor equipado para lidar com a economia moderna. Sua saída voluntária do poder foi vista como exemplo em um continente de ditadores de longa data.
2004 - Com 85 anos, em 1º de junho de 2004, anunciou redução na sua agenda pública. Ele passou a se dedicar ao combate ao número crescente de vítimas da Aids na África do Sul, levantando milhões de dólares em doações.
2005 - Em 6 de janeiro, seu único filho ainda vivo, Makgatho Mandela, morreu vítima de Aids, aos 54 anos. A tragédia ampliou a dedicação de Mandela no combate à doença.
2006 - Em 1º de novembro, recebeu o prêmio de "Embaixador da Consciência", da Anistia Internacional.
2009 - Em 7 de agosto, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, esteve com Mandela e disse ter "encontrado um tesouro perdido" em suas lições para futuras gerações. Em 11 de dezembro, estreou nos cinemas americanos o filme "Invictus", de Clint Eastwood. O longa-metragem relata como Mandela trouxe o campeonato de rugby de 1995 para a África do Sul, utilizando o esporte para amenizar as tensões raciais no país.
2010 - A África do Sul sediou a Copa do Mundo. Mandela foi saudado como um herói de alcance internacional.


Um beiral para os bentevis - Josué Montello


O personagem principal de Um beiral para os bentevis, de Josué Montello, lançado em 1989, é Venâncio, o irascível e temperamental patriarca da família Sezefredo. Seu temperamento indomável faz com que a família se disperse. Mas Venâncio tem seus pontos fracos: a Igreja (é incapaz de contrariar o arcebispo D. Mota) e sua neta Magda, criada como se fosse filha (pode até ficar sem falar com ela diante de suas peraltices, mas o amor continua o mesmo).
O ponto de partida do romance é exatamente uma das peraltices de Magda: ela atravessa a ponte para o bairro São Francisco, nua na garupa da moto do namorado, o músico Jerônimo, para cumprir uma aposta cujo dinheiro seria revertido para ele gravar seu disco. Isso faz Venâncio ficar apoplético e não falar com a neta durante todo o romance. No decorrer do romance, os parentes (ou os descendentes daqueles que já morreram) vão retornando para o sobrado. são os bentevis voltando para o beiral para escapar do mau tempo.
Um beiral para os bentevis, pode não ser o melhor dos romances de Montello, não se equiparando a Os tambores de São Luis, lançado em 1975, mas é uma obra que mostra a capacidade do autor em construir um romance. Vale a pena ler como passa tempo. 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Uma entrevista ontológica


É ontológica mesmo! Somente a metafísica para explicar a postura da ex-primeira-dama Rosane Collor na sua entrevista ao Fantástico. O seu cinismo é transcendental! Cinismo por que ela compactuou com as falcatruas do ex-marido durante não só os dois anos em que ele foi presidente da República, mas pelos treze anos seguintes quando ela foi casada com ele. Por que apenas agora a ex-primeira-dama resolve contar os “podres” do hoje senador Fernando Collor de Melo? Cinismo por que a então primeira-dama era presidente da LBA (Legião Brasileira de Assistência), instituição que servia de cabide de emprego para os políticos na época e que foi extinta pelo governo FHC, foi acusada de desvio de verbas do órgão e destituída do cargo em virtude das denúncias.
Rosane abusa do cinismo quando diz que “acha pouco” a pensão de R$ 18.000 que recebe do ex. E cita como exemplo outra dondoca que recebe quase R$ 40 mil do ex. Não discuto o direito que ela tem na partilha dos bens que ajudou a amealhar ao lado do ex-marido. Mas uma pensão com valor tão alto é discutível para uma mulher ainda jovem. Será que ela já pensou em trabalhar? Quando se refere às mortes das pessoas envolvidas de alguma forma com Collor, Rosane diz que não acredita em coincidência, mas em “jesuscidência”. Eu acredito em cara de pau, que é o que a ex-primeira-dama esbanja durante a entrevista.  
Rosane ainda ajuda a aumentar o preconceito com religiões de matrizes africanas quando fala que o então presidente usava rituais de magia negra para atacar ou se defender de inimigos. Como se essas religiões só servissem para esse fim. Percebe-se que a conversão da ex-primeira-dama deveu-se menos à força da fé do que ao peso do ressentimento. Sua postura só reforça aquela ideia (também preconceituosa) de que “todo evangélico é ex alguma coisa”. Em mim reforça a convicção, de resto já arraigada, de que se deve sempre duvidar de um sujeito que anda com uma Bíblia debaixo do braço usando-a como salvo-conduto ou como uma certidão negativa de maus antecedentes. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Diário de minha morte*


Quando dei por mim, estava bem-vestido e dentro do caixão, um esquife melancólico. Eu observava as flores fúnebres murchando, minuto após minuto, e já pensava na minha nova e confortável morada sete palmos abaixo da terra. Concluí disto que a morte é um sono eterno e sem sonhos.

Minha mãe chorava ininterruptamente ao lado do caixão, era um soluço alquebrado e curto; meu pai tomava um café em copo de plástico. O clima era sombrio. No atestado de óbito vinha escrito: “Morreu de ataque paralisante do miocárdio”. Ora, essa é boa. O miocárdio foi o único órgão que se manteve firme, vivo até o fim. Pobre miocárdio! E também é certo que se eu pensava era porque meu cérebro estava em pleno funcionamento... Ou não? Não, não examinaram o meu cérebro – embora árdua seja a tarefa de medir os pensamentos... E tudo pode ser mesmo um sono eterno, mas talvez com alguns sonhos.

Ouvi que seria translado ao cemitério. No fim, tudo é um campo de girassóis... Nunca pensei que faria tal viagem, de mais de bilhões de quilômetros; ao menos não tive que pagar absolutamente nada pela passagem. Isto é quase boa promoção de agência de turismo; de fato, uma pechincha! Sempre haverá alguém que te pague a morte; no meu caso, o patrocinador foi papai.

E assim foi o carro em cortejo, uma carreata funesta e enigmática.

Mas a morte é tão surpreendente quanto a vida, leitor. Mal eu tinha morrido direito e já recebi companhia, alguns defuntos classificariam a visita que recebi de indesejável: uns vermezinhos vieram ter comigo.

- Olá, amigo! Sou o escaravelho, mas pode me chamar de Cará. Muito prazer.

- É? O prazer é teu, não vê que estou morto?

- Sinto muito, acontece... Bem, amigo; mas viemos vê-lo porque vamos nos alimentar de teu corpo; questão de sobrevivência; você entende, né?... Ah, mas não se preocupe! Geralmente funciona assim: a comida nada sente; apenas arrancamos um naco do presunto, comemos e vamos embora. Noutro dia voltamos; outros vermes não podem vir comê-lo, apenas eu e meus companheiros decompositores; seremos os donos de tuas carnes, de tuas entranhas; os outros vermes malditos que procurem outro defunto para saciar a vida, ou morte! E quando der por conta, meu amigo, já nada mais existirá de ti. Entendeu tudo?

- Entendi sim, obrigado. – disse agradecendo a consideração da explicação e fazendo um pedido aos vermes. – Por favor, não dá para vocês esperarem um pouco; quer dizer, ao menos até que eu esteja enterrado... Não quero ter aspecto ruim no velório; compreendem?

- Oh, sim, claro! Por enquanto só viemos mesmo lhe dar as boas-vindas. Já te disse para não se preocupar...

De repente o escaravelho fechou a horrenda face e raiou com os amigos:

- Ei, senhor fungo, dona bactéria; agora não! Depois vocês comem; que gula!

- Mas Cará... – ponderou o fungo. – É só uma lambidinha. Poxa morte! Estou morrendo de fome...

- Não! E basta! Não sabem o que é basta?

Basta, foi tudo que eu soube da cadeia alimentar do imponderável. Aqueles vermes morriam de fome e eu já estava morto; finado e encaixotado. Curioso, mesmo sem poder me mexer eu percebia que aquele caixão era muito apertado. Meu pai deve ter economizado em minha última morada... Um morto deveria ser enterrado em local grande e arejado, algo parecido com a tumba de Jesus Cristo. Por que não dar espaço à morte?

Não aguentei. De repente, tudo se movimentou sem nexo e os objetos fúnebres giraram descompassadamente, pareciam me perseguir, eu não vi mais nada; a não ser uma luz clarividente e acolhedora. Fui à luz, mas uma mão desligou o monitor e outra fechou a janela.

*Ricardo Novais 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Diário do farol – João Ubaldo Ribeiro


O personagem narrador de Diário do farol, de João Ubaldo Ribeiro, é um ex-padre que conta sua história a partir de um farol localizado numa ilha deserta, construído por ele mesmo e batizado de Lúcifer, o Portador da Luz. O nome pelo qual o farol é batizado pelo personagem dá uma pista da sua personalidade. “Meu único dever aqui, imposto por mim mesmo e não por qualquer consideração vulgar e mendaz, é a honestidade.” E isso não lhe falta! Ele destila seu ódio contra tudo e todos que atravessem seu caminho.
Filho de um fazendeiro autoritário, que mata a mulher para ficar com a cunhada, o pároco tem como únicas lembranças da infância as surras e o desprezo que o pai devotava-lhe, além do assassinato da mãe. A partir disso, estabelece como objetivo de vida o assassinato do pai como vingança pela morte da mãe, cujo espectro sussurra-lhe como obtê-la. Ao longo da vida estabelece um segundo objetivo: vingar-se da mulher que o desprezou. Todas as suas ações vão girar em torno desses objetivos.
É impossível duvidar da sua honestidade ao narrar, de forma tão crua e sem rodeios, os métodos que utilizou para passar por cima de todos aqueles que, de alguma forma, colocaram-se como obstáculos. Pode-se duvidar da sua isenção psicológica e da sua sanidade mental. Jamais da sua honestidade. Psicopata? Sociopata? Esquizofrênico? Ou tudo junto? A obra é mais uma demonstração da genialidade do autor que encarna com perfeição o personagem, com já tinha feito em A casa dos budas ditosos. Um livro imperdível!    

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Equador – Miguel de Sousa Tavares


No posfácio, a professora Lilia Moritz Schwarcz afirma que “... é uma obra prima por equilibrar ficção e não ficção.” De fato, Equador, do português Miguel de Sousa Tavares, pode ser inserido entre as obras primas da literatura. Fruto de longa maturação e investigação histórica é um romance histórico na definição mais clássica do gênero, mas também fascinante por retratar um período complexo da história portuguesa, os últimos anos da Monarquia, no inicio do século XX. Enquanto o mundo vivia uma fase de grandes invenções e avanços sociais e econômicos, Portugal ainda era acusado de usar trabalho escravo em suas colônias.
O protagonista é Luís Bernardo, um bom vivant culto que aprecia a arte, a boa bebida e conquistas amorosas, desfrutando da riqueza que herdou do pai. Suas opiniões sobre a politica colonial portuguesa chamam a atenção do rei D. Carlos, que vê nele a pessoa certa para administrar uma das suas colônias (as ilhas de São Tomé e Príncipe), que estava se transformando no pivô de uma crise com a Inglaterra. Administrar não apenas a colônia, mas também o conflito. A Inglaterra acusava Portugal de utilizar mão-de-obra escrava nas ilhas.
Cabia a Luís Bernardes não apenas convencer o cônsul inglês que não existia trabalho escravo na colônia, o que era mentira, mas também os colonos a não utilizar essa prática já erradicada em território português (pelo menos em teoria). Tarefa árdua. Em apenas três anos, Bernardes teria que mudar uma prática que perdurava a séculos. No livro, nem tudo que parece, é. O vilão não é tão vilão como parece, nem o mocinho é tão mocinho como parece. Ou melhor, não há vilões e mocinhos. Há personagens que parecem reais. Um livro que já é uma obra-prima.      

terça-feira, 3 de julho de 2012

Gonzagão e seus parceiros



Cheguei recentemente do Nordeste, onde fui desfrutar de merecidas férias e, de lambuja, curtir um pouco dos festejos juninos. Por onde se anda o grande homenageado é Luiz Gonzaga, que completaria cem anos agora em agosto. Mais do que merecida a homenagem. Gonzagão é a voz e a cara do Nordeste, mesmo tendo se passado mais de vinte aos da sua morte. Aliás, poderíamos dizer que o rei do baião, com sua obra e sua voz, é imortal nos corações dos nordestinos. Mas as homenagens não se estenderam como deveriam a dois grandes parceiros que contribuíram um tantinho assim para o grande sucesso de Luiz Gonzaga.
O primeiro deles é José de Souza Dantas filho, (na foto de cima) conhecido como Zé Dantas ou Zedantas como costumava assinar, nascido em Carnaíba de Flores, em Pernambuco, em 1921. Tornou-se médico em 1949, mas ainda estudante em Recife, já era conhecido no meio universitário como artista improvisador e compositor. Nunca estudou música nem tocava qualquer instrumento, compunha batucando numa caixa de fósforo e a esposa, D. Iolanda, passava as composições para partitura. É autor de canções eternas da música nordestina, como A volta da asa branca, Sabiá, Vem morena, entre outras.
O outro grande parceiro de Luiz Gonzaga foi Humberto Cavalcante Teixeira ou, simplesmente, Humberto Teixeira (na foto de baixo), nascido em Iguatu, no Ceará, em 1915. Diferente de Zedantas, estudou música. Em 1943 diplomou-se em direito, exercendo a advocacia em paralelo com a música. É dele músicas como Asa Branca (não confundir com A volta da asa branca), Assum preto, Paraíba.  Faleceu em 1979, vítima de enfarto. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

"Sim, uma puta!"*


A conheci, pequenos. Pouco depois que conheci o Sol, a Lua, as Ruas,
Exatamente quando, não sei: desconheci o sol de minhas manhãs. Achando-o maravilhoso, ele chicotechateava as costas de alguém acorrentado a uma enxada.
Chegadas as noites, desconheci a lua. Uma deusa-ciclope, velando meus sonhos, também levava para si gritos e pedidos de socorro e como deusa (desde a fabricação da angústia-de-não-ser-ouvido) aos socorros se fingia mármore, quase não contendo o sorriso esguelhado para seu lado sombrio.
Caminhando para casa, desconheci as ruas. Dizia-as abençoadas pelas, mesmo inseguras, sensaçõvisões mais belas: desejo se concretizando ...ao longe... o risco-certo do pode-não-ser. Percebo; elas se dão a palco para as facas rasgadoras de vidas, estupradores de liberdade e espancadores com cassetetes oficiais.
Vitudoporumoutroladoeamultiplicidadedecadaladoeainfinitudedamultiplicidade e, mesmo estranho, ninguém além de mim mesmo.
Primeiro olhei, lindo; segundo olhei, horrível; terceiro, vi: a primeirúltima das margens do principício; o Zero. Reconheci tal mundo como único possível. Passei a amá-lo por que sem opção para odiá-lo.
Tão sensível, passou em minha visão e com o som de suas curvas já a sentia no tato. Desconheci sua atribuída imagem. Reconheci seu sorriso sonhador. Devolvi a seus olhos o mistério, a sensualidade, ignorados pelo Poderoso-burro julgamento coletivo.
Foi preciso um terremoto pro vermelho embranquecer e uma puta virar noiva.