segunda-feira, 2 de abril de 2012

(Vou deixar sem título – só para chatear)*

Coisa ruim é quando se está com vontade de escrever e nenhuma idéia boa brota na massa cinzenta. Remexem-se os neurônios para lá, para cá e nada. O jeito é inventar qualquer baboseira e ir distribuindo. Meus alunos costumam me perguntar: “Professor, como eu começo o meu texto?” Respondo: “Um texto se começa com qualquer palavra!”. Vamos ver se isso é verdade mesmo (ou desculpa de alguém que não sabe, ou está com preguiça de ensinar). Vou começar com a palavra...

Sapato. Comprei um, por esses dias, na loja de seu Romão. Pensa num homem cheio de nove horas para vender. Esperto que nem turco, mas com cara de boliviano. O sapato não era lá essas coisas. Para falar a verdade era bem feinho. E nem fui à loja dele para comprar coisa alguma, quanto mais sapato. Não que eu não goste, mas estou naquela de usar bastante tênis. Bom, vá lá. Minha intenção na loja era pagar um carnê de minha mulher. Mal entrei, seu Romão foi logo me alugando: “Menino, tem um sapato aí que foi feito de encomenda pra você. Assim que eu o vi, pensei: ‘esse é pro marido de minha cliente predileta’. Espera só um pouquinho”. E pediu para uma vendedora ir buscá-lo o mais depressa. Já tinha pensado num belo “não” para seu Romão, com rima e tudo. Mas quando a vendedora chegou com o sapato, fiquei embasbacado, melhor: alucinado com suas formas. As dela, não as do sapato. Que sapato o que, homem de Deus! Quem tem olhos para calçado diante de uma formosura daquela. Bem, mas o sapato seria bom para começar a conversa. Logo fui dizendo...

Não é mesmo verdade! Pode-se começar um texto com qualquer palavra. Bom, mas, na experiência acima, não havia um tema previamente determinado. Chutei a palavra e comecei um texto qualquer. Vejamos então se minha lição resiste a mais um teste. O tema é: “Os desafios da educação de Rondônia”. Perdoem-me a descriatividade e o clichê. A palavra é... pica-pau.

Pica-pau é uma ave da família dos picídeos. Penso que nós, que fazemos parte desse grande movimento (que se movimenta e não chega a lugar algum) chamado educação rondoniense, deveríamos aprender bastante com essa ave. Uma de suas características principais, e daí advém seu nome, é fazer buracos em árvores para construir seu ninho. Nem sempre, é obvio, encontra madeira macia. Entretanto, sua tenacidade é tão admirável que mesmo tendo em suas mãos, melhor diria, em seu bico, madeira dura, não se resigna ao fracasso. Pica-pau é uma ave que não desiste nunca. Com suas pequenas bicadas, que à primeira vista parecem inócuas, consegue atingir seus objetivos. E diga-se: jamais começa a bicar sem antes ter em mente suas metas. E depois de fazer o tão almejado buraco, lá instala seu ninho, seu aconchegante ninho em que poderá com segurança botar seus ovos para garantir a continuação da espécie.

Vejamos: daí para se entrar no assunto “educação” é moleza. Basta lembrar-se de objetivos, metas, etc. Para falar de educação não tem sido muito difícil. Tem gente falando dela às pampas, muito embora boa parte sejam asneiras e besteiras. Também não estou, por hora, autorizado a entrar nesse debate. Agora estou tratando de como iniciar um texto. Portanto, vamos passar a borracha nas divagações.

Um texto pode ser iniciado com a palavra chichisbéu? Bocage usou essa palavra em um poema: “O cão e a cadela”. Para quem não o conhece ou o quer relembrar:

Tinha de uma cadela um cão fome canina,
Ele bom perdigueiro, ela de casta fina:
Mil foscas lhe fazia o terno maganão,
Mas gastava o seu tempo, o seu carinho em vão.
Dando no chichisbéu dentada e mais dentada,
A fêmea parecia uma cadela honrada
E incapaz de ceder às pretensões de amor.
Mas o amante infeliz foi sabedor
De que a mesma, em que via ações tão desabridas,
Era co'um torpe cão fagueira às escondidas.
Se és sagaz, meu leitor, talvez tenhas visto
Cadelas de dois pés, que também fazem isto.

Bem, quanto ao nosso texto, poderia ser assim:

“Chichisbéu é uma palavra tão feia quanto o que quer significar”. Essa frase foi proferida por Antonino de Bucefato, um homem tão ignorante quanto pretensioso moralista. E aqui, a bem de esclarecer, o termo ignorante é usado não no sentido corriqueiro que a inculta massa lho conferira. Ignorante quer, sim, dizer “que ignora”, “que não tem instrução”. Esse homem rude articulou tais palavras ao ouvir o diálogo inocente de duas formosas moças:

- Ah! Eu só quero dar um beijinho no seu chichisbéu. Juro que não é pecado!

- Não sei se deixo. Talvez ele possa gostar tanto desse beijinho e querer mais coisas. Dum beijinho, uma carícia, de uma carícia sabe lá o que mais.

Bucefato ainda ousou repreender as donzelas. Estas saíram correndo, sem nada entender. Uma delas, ao longe, gritou:

- Aposto que você é gay e está interessado no chichisbéu dela.

Foi aí que Bucefato, de tão ignaro que é, confundiu tudo mesmo.

E as moças continuaram correndo, correndo - e cantando o hino do Tricolor Paulista. Só para chatear!

* Elio Oliveira Cunha

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