segunda-feira, 12 de março de 2012

É batata que a pequena é espeto*

Sentavam as três, a avó, a mãe e a filha sempre no mesmo lugar na igreja para missa das dez horas do domingo, na saída lá iam as três na mesma ordem pedir a bênção do padre e tornavam a casa. Era assim semana após semana, dia após dia.

Em casa era sagrado o bolo de fubá na quarta-feira e o bolinho de chuva da sexta-feira feitos pela avó.

A mãe era costureira de roupas e de vida alheia, mas só o era para as amigas.

A filha , exemplo, educada, formosa, recatada com futuro brilhante.

A bisa havia ensinado tudo direitinho.

Numa dessas sextas de bolinho de chuva fazia um calor daqueles e de repente como não de surpresa caiu aquele pé d'água no finzinho da tarde e a missa não foi mais a mesma.

Ela tocou a campainha e coitada estava molhada dos pés aos seus vinte e poucos, desde a calça jeans à camiseta branca e era impossível não notar que estava sem sutiã.

A avó não demorou em pedir que ela entrasse e de apresentá-la, era ela prima, de segundo grau, que morava na capital. Foi um beijo no rosto sem jeito dado pela mãe e em troca dois beijos aconchegantes da convidada, da filha foi um beijo tímido e em troca dois beijos e um abraço apertado da prima distante.

E elas assim ficaram paradas na sala em frente à porta por quase cinco minutos até a avó levá-la para o quarto em que ela ficaria.

Como de costume ela não dava explicação de nada e assim foi desta vez.

No sábado foram juntas as três mostrar a cidade para ela, e a cidade não fez por menos e todos saíram para vê-la.

Dia longo e cansativo e ao chegar em casa ela só conseguiu dizer:

- Preciso de um banho!

Jantaram.

Dormiram.

Acordaram e era domingo e ela não tinha roupa para igreja e a avó pediu para a filha emprestar uma de suas roupas para ela.

No quarto.

Caladas.

A filha, tímida, abriu o guarda-roupa e começou a escolher o que podia emprestar e pegou o vestido longo preto, como o seu, e passou para as mãos dela que sem querer tocou nas pontas dos dedos dela, para uma fuga rápida da filha.

Ela notou, claro, agradeceu com um sorrisinho e tirou a roupa para colocar o vestido.

Silêncio.

Batem na porta.

-Vão na frente que ainda não escolhemos a roupa. Ela respondeu.

A mãe quis esperar, a avó preferiu ir na frente.

Na igreja, as duas esperaram quinze, vinte, a missa toda e nem pediram direito a bênção do padre e voltaram.

em casa chegando a comida estava pronta a filha esperava de cabelo molhado do banho com ela sentada ao seu lado a mesa

*Cláudio Rosa é escritor, roteirista, tradutor e dramaturgo.

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