Diálogo entre Deus e um ateu

A sala era espaçosa. Havia duas figuras sentadas uma de frente para outra. Uma com aspecto mais sereno. Outra um pouco mais agitada.

Ateu – O que eu estou fazendo aqui?

Deus - Você está aqui para dialogar comigo.

Ateu – Dialogar com você? Mas... quem é você?

Deus – Deus.

Ateu – Devo chamá-lo de você ou de senhor?

Deus – Fica a seu critério

Ateu – Quem me colocou aqui?

Deus - Não sei. Deve ter sido o autor.

Ateu – Como não sabe? Você não é Deus? Não é onisciente?

Deus – Você me vê como você acredita.

Ateu – Já que me colocaram aqui, vou começar discordando do título do texto.

Deus – O que você propõe?

Ateu – “Diálogo entre Ateu e um deus”.

Deus - Por que a inversão?

Ateu - Sou eu que pergunto: Por que “Deus” tem que ter a letra inicial maiúscula e “ateu”, não?

Deus – Por que eu sou Deus.

Ateu - Qual deles?

Deus – Qual deles como?

Ateu – Temos deuses para todos os gostos. Você é algum deus grego? Ou deus de alguma religião oriental? Ou Alá, deus dos muçulmanos? Ou algum deus de algum povo perdido no tempo ou no espaço?

Deus – Eu sou apenas Deus. Cada um me cria a sua imagem e semelhança de acordo com os seus interesses, culturas e valores. Eu sou apenas Deus.

Ateu - Eu não acredito em você!

Deus – Eu também não acreditaria se tivesse no seu lugar. É difícil de acreditar em algo que ninguém ver, que não está em lugar nenhum e, ao mesmo tempo, em todo lugar, que não tem forma e, ao mesmo tempo, todas as formas. Posso lhe fazer uma pergunta?

Ateu – Pode.

Deus – Por que você não acredita em mim?

Ateu - Por que você é apenas uma hipótese. E entre as hipóteses eu fico com aquela que diz que você é uma mera abstração humana.

Deus – Mas as pessoas acreditam em mim.

Ateu – Por que é mais fácil crer do que pensar.

Deus – Você está sendo radical!

Ateu – E você está sendo pretensioso.

Deus – Por quê?

Ateu – Por que você acha que as pessoas acreditam em você. Nem todas! Bertrand Russel não acreditava. Saramago não acreditava. Marx não acreditava.

Deus – Isso é verdade.

Ateu – A propósito, eles estão com você?

Deus – Não. Comigo não.

Ateu – E onde estão?

Deus – Não sei. Não os vi.

Ateu – Nem eles viram você!

Deus – A vida toda.

Ateu – O mundo surgiu de uma grande explosão?

Deus – Você deveria procurar saber quem provocou a explosão.

Ateu – E quem foi? Foi você?

Deus – Eu não faço nada. Só mando.

Ateu – Estou com sede. Não dá pra o senhor fazer aparecer umas cervejas aqui?

Deus – Não bebo.

Ateu – Mas eu bebo.

Deus – Então faça você aparecer as cervejas.

Ateu – Mas o DEUS aqui é você.

Deus – E o ATEU é você.

Ateu – E daí?

Deus – Acredite.

Ateu – Você deveria ser mais claro no que diz.

Deus – Pra que? As pessoas se sentem atraídas pelo indevassável. Adoram procurar o que não vão achar. Isso aumenta a fé.

Ateu – Procuram a salvação...

Deus – Todos estão salvos. Só não sei do que nem de quem.

Ateu - È verdade que você mandou seu filho morrer para nos livrar dos nossos pecados?

Deus - Eu não mandei ninguém morrer por ninguém. Se ele fez isso foi por que quis.

Ateu – E por que ele fez isso?

Deus – Você acreditaria num mártir que morre confortavelmente numa cama? Ou morre subitamente de infarto? O mártir tem que morrer por sua causa! De preferência com muito sofrimento. Um mártir só é convincente quando sofre.

Ateu – Com essa me deu vontade de ir embora. Posso?

Deus – Cada um faz o que quer. Cada um é feliz a sua maneira. Seja feliz indo embora.

Ateu – Tchau.

Deus – Vai com Deus.