quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Absolvição post mortem

Não sei em outras paragens, mas aqui no Brasil a morte Absolve. Se for lenta e dolorida, beatifica. Não se espantem se aparecer num futuro velório do Paulo Maluf alguns sujeitos alardeando seu desprendimento político e que o falecido teria sacrificado a sua vida pessoal em prol do bem público. Bem mesmo, diga-se. Mantenha a serenidade se num futuro velório do Joaquim Roriz aparecer neguinho querendo chamá-lo desde já de Santo Joaquim. Para os íntimos, Santo Quincas. Faz parte. Ao brasileiro não basta reverenciar a morte. O morto tem que ser reverenciado também. Não importa o que ele fez enquanto vida tinha.

Vejamos o caso da ex dona da Daslu, Eliana Tranchesi, que morreu na semana passado depois de uma longa e dolorida luta contra um câncer de pulmão. Seus colegas do ramo da moda se apressaram em enfatizar as suas qualidades como empresária e como pessoa. Esqueceram de um detalhe. Ou, se não esqueceram, não fizeram questão de mencionar. Ou os dois. Eliana Tranchesi estava condenada a 94 anos e meio de prisão por formação de quadrilha, fraudes em importações e falsidade ideológica, por ter sido denunciada através da operação Narciso, da Polícia Federal, em 2005, e só estava solta graças a um habeas corpus.

Glória Kalil, consultora de moda, disse que Eliana Tranchesi foi “umas das melhores comerciantes que país já teve”. Temos que discutir o conceito de “melhor” e pra quem Eliana foi tão boa. Para a contabilidade das suas empresas certamente. O jornalista Guilherme Barros, da Istoé Dinheiro, disse que a empresária sempre manteve “seu otimismo e seu espírito guerreiro, apesar de todo o sofrimento”. Otimismo e espírito guerreiro para burlar o fisco, certamente. Boris Casoy preferiu culpar Lula e o mensalão pela sua morte, sugerindo que a empresária teria sido um mero “instrumento para desviar a atenção da população”.

E a Hildegard Angel? Disse que “é à Eliana que a Receita do Brasil deve muito mais”. Para logo depois se contradizer: “Não estou com isso tentando justificar o injustificável: o drible de leis.” E arremata: Numa das suas poucas entrevistas sobre o assunto, Eliana reconheceu que cometeu o erro de vender luxo num país de agudas diferenças sociais…”. A culpa agora é de quem não tem dinheiro. Não estou querendo dizer que a empresária Eliana Tranchesi não tinha qualidades como mãe e amiga. Até mesmo como empresária, apesar dos crimes cometidos. Mas não podemos relegar ao esquecimento fatos graves cometidos pelo morto. A morte não elimina a ficha criminal do morto. E a de Eliana era bem extensa.

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