terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Politicamente (in)correto

O dirigente regional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do estado de São Paulo, Milton Vieira da Souza disse que os problemas apresentados em 12 casas entregues pela Companhia em Ribeirão Preto eram causados pelo mau uso dos seus moradores. Segundo ele, o vazamento na pia, as fissuras e as portas e janelas que não fecham têm como causa o “nível de educação” do “pessoal que veio da favela”. Ele acha que é preciso fazer um “trabalho social” para que os ex-favelados passem a morar em casas. Foi demitido pelo governador Geraldo Alckmin.

Souza está meio certo. Errou ao imputar culpa aos moradores pelos defeitos das casas. As casas têm defeitos por que foram mal feitas. E mesmo que a responsabilidade fosse dos moradores, isso não seria uma peculiaridade de quem “veio da favela”. Que o diga o desmoronamento dos três prédios no Rio de Janeiro, muito provavelmente provocado pelo mau uso dos seus condôminos. Se Souza foi demitido por que as suas ações tornaram a CDHU menos eficiente, incapaz de resolver os problemas de moradia e responder a desafios, o governador agiu certo. Mas se o demitiu por que foi politicamente incorreto, afirmando que havia a necessidade de uma educação para a vida comunitária, o governador errou.

Ao contrário do que querem fazer crer aqueles politicamente corretos, a favela não é nem um pouco comunitária. A favela é um ajuntamento de individualidades. Para constatar basta passar em frente de um conjunto habitacional popular para ver que cada morador impõe o seu padrão, resultando na degradação do espaço coletivo. Porque era assim que se fazia na favela, originalmente uma invasão desconectada do Poder Público. Viver em condomínios exige delimitação clara dos limites de propriedade de cada um e o respeito à coletividade. O que a maioria das pessoas (não apenas os que vêm de favelas) desconhece. Isso que os poetas da pobreza chamam “comunidade” não é nem um pouco comunitário! Souza foi demitido por que deu a resposta errada para dois problemas reais.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Caleidoscópio

Sinto os grãos de areia batendo na minha pele como se fossem pedras. O barulho é ensurdecedor, mas me trás a paz necessária. Objetos de tamanhos variados passam rente ao meu rosto. Não os distingo. Seriam camas? Ou sofás? Imagino as pessoas trepando neles. Orgias no meio do vendaval! Ninguém é de ninguém e todos se pertencem. Sentimento de posse. Além do barulho do vento, ouço o som do motor de um avião que vai sumindo aos poucos. Está chegando ou partindo? Não faz diferença: a sensação de perda é a mesma. Perda do que mesmo? Só posso perder o que não me pertence. Nada me pertence.

Os nomes serão escritos na água. O que ficar será escolhido. Cheiros, gostos, felação deficiente: Nada mais importa. Apenas o nome. Muitos cadáveres insepultos ficarão pelo caminho. Afogados. Alguns voltarão a assombrar até ficarem putrefatos. Comida de peixes. Vingança. Acolhimento, posse. Te pertenço. Não seremos órfãos do prazer. O prazer e a dor de mãos dadas. Como nós! Os livros nos contam histórias e nos dão idéias. E que idéias! Espírito de renúncia versus prazer. Com que ficamos? Com a dor.

O cão ladra. Deve está escutando os gritos e sussurros de prazer. É a orgia, o gozo dos devassos! O barulho do vendaval não é capaz de suplantá-los. Fazer ou não fazer parte. Temor. Iremos? Sintaxe em pânico. Pensamento revolto. Mãos procuram membros. Bocas buscam o prazer. Respiração ofegante, contato, palavrões, posse efêmera, cumplicidade, violência controlada e consentida, gozo. Pontinhos brilhantes pululam para onde quer que se olhe. Será essa a imagem do que se busca? Não é necessário pedir perdão. Pecado não há. Só o prazer. O grande mal é a sensualidade reprimida: oligofrenia sexual.

Imperativo categórico: ser feliz.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A "moda" dos anos 80

Terça passada estava assistindo no Sem frescura, do Canal Brasil, uma entrevista com o cantor e compositor baiano Marcelo Nova. Quem tem mais de 30 anos lembra-se de Marcelo nova nos anos 80, com a banda Camisa de Vênus e, depois, na parceria genial com Raul Seixas. Nova afirmou, no programa, que o rock surgido na época foi uma “moda” e que só aconteceu por que houve maciço investimento por parte das gravadoras. Para corroborar a sua tese, cita como exemplo a lambada, que surgiu logo depois, que também teve investimentos das gravadoras e que desapareceu para nunca mais aparecer.

Nova está meio certo. Indiscutivelmente houve alto investimento das gravadoras. Era um novo filão e elas não poderiam perder a oportunidade. Mas existe uma diferença abissal entre a lambada e o rock dos anos 80. A lambada se foi para nunca mais voltar. O rock dos anos 80, não. Das inúmeras bandas e artistas solos que foram criados e lançados pelas gravadoras, vários continuam a fazer sucesso como Titãs, Roupa Nova, Kid Abelha, Lobão, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso. Mesmo as bandas que deixaram de existir, como é o caso da Legião Urbana, Engenheiros do Havaí, RPM, Barão Vermelho tem suas músicas regravadas e tocadas na mídia.

Mesmo aquelas bandas ou artista de quem nunca mais ouvimos falar deixaram músicas que até hoje são tocadas, como é o caso de Camila (1987), do Nenhum de nós, Menina Veneno (1983), de Ritchie e Amante Profissional, do Herva Doce. O próprio Marcelo Nova, cuja banda, Camisa de Vênus, não existe mais tem músicas inesquecíveis, como Eu não matei Joana D’Arc (1985) e Silvia (1985). E não precisa ter mais de 30 para cantar as músicas dos anos 80. Vejo adolescentes de 15, 16 anos ouvindo e cantando músicas da Legião e do Titãs. Podem chamar o rock dos anos 80 de “moda”. Mas é uma moda que nunca deixou de ser moda.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O útil e o fútil

“Ou os problemas brasileiros já estão todos resolvidos ou nós já nos tornamos perfeitos idiotas. Porque não é possível que dois assuntos tão fúteis possam chamar a atenção de um país inteiro.” Foi com essas palavras que o jornalista Carlos Nascimento abriu o Jornal do SBT na quinta-feira, dia 19. O jornalista referia-se ao “caso Luíza” e ao suposto estupro no BBB. Discutir os problemas nacionais e buscar soluções para eles é de suprema necessidade, inegavelmente. Mas tem assuntos que, apesar da aparência (alguns não só a aparência, são realmente fúteis) de futilidade, devem servir para levantar questões importantes que devem ser discutidas.

“Menos Luiza, que está no Canadá”, foi um bordão que tomou conta do país na semana que passou. Muito provavelmente dentro de duas semanas ninguém se lembrará mais de Luíza, quer ela fique no Canadá ou não. Os bordões sempre existiram. São manifestações típicas da era das comunicações de massa. Surgiram no teatro de revista, aumentaram com o rádio e atingiram proporções nacionais com a televisão. Com a internet atingiram velocidade instantânea. Mas não é uma demonstração de que o brasileiro ficou mais idiota. É apenas uma demonstração que os bordões se espalham mais rápido. E somem também mais rápido.

Outro assunto que “bombou” essa semana foi o caso envolvendo dois participantes do BBB. Houve estupro ou não? Não sei. Nem vi as cenas. Mas o caso levanta uma discussão: a palavra da mulher vale mais do que a palavra do homem quando se trata de uma suspeita de abuso sexual? Faço essa pergunta pela forma como o elemento masculino foi tratado nesse caso específico. Foi levantada a suspeita, apesar das negativas ele foi excluído do programa e somente com a afirmação do elemento feminino de que o que aconteceu foi consentido é que as suspeitas se dissiparam. Ninguém, em sã consciência, duvida que a violência contra a mulher é uma realidade, mas será que, em determinadas circunstâncias, a mulher não pode tirar proveito da situação?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O caderno de Maya

Diferente da maioria das obras de Isabel Allende, O caderno de Maya se passa nos dias de hoje e trata de um tema atual: as drogas. Segundo a autora, em entrevista ao Jornal Sol, o livro nasceu de um pedido dos seus netos, que queriam uma história cujo tema lhes interessasse. Mas poderia ter sido influenciada pelos próprios problemas familiares: seus enteados são dependentes de drogas. O livro é narrado em primeira pessoa através do diário da personagem Maya Vidal, de 19 anos, “uma rapariga saudável, atlética, boa estudante, inteligente e muito ligada aos avós”, segundo a descrição da própria autora. Quando o seu “Popo” (avô) morre, Maya entra numa espiral de drogas e álcool. Péssimas amizades e confrontos com a lei vão marcar a sua vida nos doze meses subseqüentes.

Sem surpreender a quem já conhece a genialidade narrativa da autora, Isabel se supera ao narrar, através de sua personagem Maya, a morte do Popo desta. É comovente! De encher os olhos de lágrimas. E esse é o ponto de partida para a decadência de Maya. Envolvendo-se com drogas, com o crime organizado e policiais corruptos, Maya participa de uma maratona rumo ao submundo. Vítima de estupro e de todos os tipos de violência, terá que lutar não apenas contra a dependência de álcool e drogas, mas também fugir dos inimigos colecionados durante esse período. É exatamente durante o exílio forçado na ilha chilena de Chiloé, onde foi se esconder, que Maya vai escrever o caderno com a sua história.

Apesar de já fazer parte das grandes obras escritas por Isabel Allende, O caderno de Maya não é uma unanimidade. Para alguns críticos, o livro deixa transparecer a idéia de que as transgressões e crimes cometidos na juventude serão fatalmente resolvidos no decorrer da vida. Independente disso é um livro que se deve ler. Ninguém conta histórias sobre mulheres fortes e determinadas de modo tão apaixonante como Allende. É um livro para ser não apenas lido, mas devorado página a página.