sexta-feira, 22 de abril de 2011

A ilha sob o mar

Além da narrativa envolvente, essa obra se destaca pelo panorama histórico construído com maestria pela autora. Não era para esperar algo diferente quando se trata da escritora chilena Isabel Allende. O enredo começa no Haiti de 1770, cujo regime de segregação racial era dos mais brutais, onde os negros, trazidos da Guiné ou de regiões circunvizinhas, eram submetidos a torturas inimagináveis. Esse não é o ponto principal da obra, mas gera um forte efeito no leitor, mostrando o escravo como propriedade do branco, sendo explorado até a morte por exaustão. O romance também tem o seu lado filosófico nas conversas entre o médico da família Valmorain, Parmentier, e seus clientes, onde são discutidos temas como a escravidão e a superioridade branca.

A personagem principal é Zarité, cuja história é narrada em dois planos, pela autora e, em primeira pessoa, pela própria personagem. É com habilidade que Isabel Allende faz da protagonista o ponto de partida para contar a história de outros personagens: o escravo Gambo, por quem foi apaixonada; o médico Parmentier, com suas discussões filosóficas; a curandeira Tanto Rose, que impressionava o Parmentier com a sua capacidade de curar doenças; Toulouse Valmorain, seu dono, que ora surge como um homem cruel, ora como um homem de bom coração,mas que nunca deixou de provocar medo e repulsa à escrava.

Isabel Allende consegue transportar o leitor para o universo miserável em que viviam os escravos no Haiti, expondo o painel bastante amplo de todo esse universo de negros, brancos, colonizadores e colonizados na ilha chamada Haiti, que no século XVIII poderia ser considerada uma filial do inferno para todos que ali viviam, não apenas para os negros. “Dance, dance, Zarité, porque escravo que dança é livre... enquanto dança.” Vale a pena ler...

quarta-feira, 13 de abril de 2011

À espera

Viver é esperar. Passivamente ou não, vivemos esperando algo. Esperamos o momento para iniciar a corrida atabalhoada em busca do óvulo. Depois, esperamos passivamente durante nove meses no recôndito escuro e aquecido do útero o momento para iniciar uma nova fase de esperas. Esperamos um mundo melhor, esperamos a paz, esperamos na fila, esperamos no ponto. Há até salas dedicadas a ela, a espera! Não importa se a espera é passiva, quando nada podemos fazer a não ser esperar, ou se a espera requer uma atitude pra que aconteça, o fato é que passamos grande parte da vida esperando. O que nos leva a esperar tanto? A espera intensifica o desejo, ou melhor, nos ajuda a reconhecer quais são os nossos verdadeiros desejos, separando nossos entusiasmos passageiros de nossos anseios mais sinceros.

A espera mais angustiante é espera do amor, o verdadeiro amor. Uma espera que parece infinita e, muitas vezes, é. Uma espera que desespera! Tão angustiante, que muitos saem a sua procura, sem saber que o amor não se procura, ele surge do inesperado. A busca pelo amor é infrutífera e inútil. Ele nos busca, cabe a nós ter a sensibilidade e perspicácia de detê-lo para que não se perca no vazio. A perspectiva de encontrá-lo transforma a espera num doce tormento. A espera do amor é o tempo de deixar crescer aquilo que há de ser. Quando ele surge de onde menos se espera, a alma inunda-se por um delírio de extrema felicidade.

Os ponteiros do relógio não andam mais em círculo, muito menos buscam atalhos. Eles preferem o caminho mais longo. É a vingança do tempo! O frio na barriga marca o compasso da espera. De repente passos curtos e rápidos sobre pés tamanho 34 e a voz inconfundível que o coração reconhece. É a deusa falível de Borges! Aquela que carrega o amor no próprio nome e o gravou naquele coração descompassado. Aparece o doce sorriso metálico que é um abrigo para os olhos de quem o vê. A figura do coração, feita com as mãos postas à frente, por pouco não substitui o verdadeiro, que anseia para tê-la como dona. A partir daí, os ponteiros do relógio buscam atalhos antes desconhecidos. É a segunda vingança do tempo! Tem início uma nova espera pelos sons e gestos familiares do amor. Beijos de amor, molhados e demorados.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cala a boca, Magda!

O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) faria melhor pela sua causa se permanecesse calado. É o maior aliado dos seus adversários. Se você quer arregimentar adeptos para a sua causa, peça para o Bolsonaro combatê-la. Desconfio que a sua língua funciona mais que o seu cérebro. O episódio com Preta Gil demonstra isso. Ele fala sem pensar (se bem que também desconfio que ele tem essa capacidade limitada). Se já não bastasse a besteira dita, o deputado tentou se justificar dizendo outra besteira. Assumiu que é homofóbico, mas não racista. Grosso modo, podemos comparar a frase do Bolsonaro a de Paulo Maluf, que anos atrás falou “estuprem, mas não matem”. Como se estuprar ou ser homofóbico fosse um mal menor do que matar ou ser racista.

A Bolsonaro falta preparo intelectual, estudo, talento, tolerância e espírito democrático. Às vezes pode até está com a razão, mas a forma e os argumentos utilizados para expor essas idéias não o ajudam. Tenho minhas ressalvas a PL 122. Mas é necessário discuti-la. Se algum setor da sociedade achou necessário criar uma lei para protegê-lo, é por que o problema existe. Se não houvesse racismo, não haveria necessidade de uma lei anti-racismo. Se não houvesse violência contra crianças e idosos, não haveria necessidade de lei que os protegessem. O preconceito contra o homossexual é inegável. O episódio envolvendo o atleta do Vôlei Futuro é só o mais recente. Outros fatos aconteceram e outros acontecerão. O Brasil é um país onde impera a hipocrisia coletiva. Todos adotam uma retórica liberal e uma prática conservadora. O brasileiro é um liberal para turista ver.

Mas há exageros por parte dos politicamente corretos. Um exemplo é o material didático que o MEC preparou para distribuir nas escolas. Não tenho a intenção de discutir se o que esta lá acontece ou não nos lares brasileiros. Quero discutir a pertinência de distribuí-lo em escolas públicas. O Estado, compreendido como “público”, não deve tratar de assuntos que afetam a “moral privada”. Isso é papel da família. Muito menos com uma linguagem militante! Quer discutir tolerância em sala de aula? Discuta o artigo 5º da constituição em detalhes, que trata de quase tudo o que devemos saber sobre tolerância e combate ao preconceito. O único mérito de Bolsonaro é trazer a discussão sobre o tema. Só não precisa ser através de estultices e grosserias. Cala a boca, Bolsonaro!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O bom senso não está na lei

No dia 20 de março, o pastor norte americano Wayne Sapp (à direita, na foto) resolveu queimar o Alcorão na sua igreja, no estado americano da Flórida. Durante oito minutos o livro sagrado dos muçulmanos foi “julgado” e considerado “culpado” (não me pergunte do que). Imerso em querosene foi queimado numa bandeja de metal por dez minutos no centro da igreja na presença de menos de trinta pessoas, apesar de ter sido uma cerimônia aberta ao público. Decerto, os demais membros da congregação imaginavam a confusão que isso ia dá. Todo esse ritual foi supervisionado por Terry Jones (à esquerda, na foto), outro pastor lunático que planejou queimar o mesmo Alcorão no aniversário dos atentados às Torres Gêmeas, no ano passado, mas desistiu na ultima hora após um apelo do presidente americano Barack Obama.

A atitude de Sapp desencadeou uma onda de violência no Afeganistão que até ontem tinha matado 25 pessoas, sete delas funcionários da ONU. Duas foram decapitadas. A onda de violência começou quando três mulás de Mazar-i-Sharif conclamaram a população a protestar contra a queima do alcorão. Na falta de alvos americanos, sobrou para a ONU. O pastor americano já se antecipou e disse que não se sente responsável pela onda de violência. Segundo ele, se não fosse a queima do Alcorão, os fanáticos afegãos arrumariam outra razão para disseminar o ódio ao povo americano.

A Constituição americana garante a liberdade de expressão ao pastor Sapp. Ele tem o direito de se manifestar do jeito que quiser. Sem contar que não dá para ficar pedindo autorização aos mulás do Afeganistão na hora de fazer um protesto. Mesmo por que eles não pedem aconselhamento quando querem fazer manifestações anti Ocidente. No entanto, quando se trata de símbolos religiosos, é sempre bom ter uma boa dose de bom senso a mão. Envolver símbolos religiosos em manifestações de qualquer natureza fere suscetibilidades. No Brasil, tivemos o caso do pastor da Igreja Universal, Sérgio Von helde, que anos atrás chutou a imagem da santa em plena data da padroeira. Deu confusão! Para Von Helde, aquilo era um objeto inanimado, para o mundo católico era uma imagem sagrada. Para uns, o Alcorão, assim como a Bíblia, é arrazoado de palavras vazias, para outros são livros sagrados. Nessas horas, o bom senso deve falar mais alto que a Constituição.